No jardim que tem atrás de casa, uns escassos metros quadrados, avulta uma tília secular. Quando o tempo o permite leva para junto da árvore uma mesita, uma cadeira da cozinha e, horas a fio, escreve o seu livro. Com uma pena de aparo de aço, um tinteiro e cadernos escolares, porque lhe repugna usar meios a que falte uma longa tradição.Escrever à máquina parecer-lhe-ia uma falta de respeito, dum computador nem quer ouvir falar. Escreve, por isso, morosamente, mas diz que só desse modo consegue provocar a passagem do misterioso fluído com que o cérebro canaliza as ideias para a mão.
O livro não é uma qualquer obra de narrativa fictícia, mas a síntese das observações e pesquisas filosóficas, intelectuais, morais e psíquicas a que se dedica desde a adolescência, e agora, na meia idade, lhe parece terem atingido o ponto de maturação. Anos atrás tinha enchido o equivalente a novecentas páginas dactilografadas e, quase certo de ter produzido um magnum opus, levou o manuscrito ao editor.
Este foi cruelmente sincero no seu juízo: "Ilegível, incompreensível, um desarrazoado." Com razões idênticas o editor rejeitou uma segunda versão do texto, mas a vontade que o anima de oferecer ao mundo o livro último, aquele onde se encontrem todas as perguntas e quase todas as respostas, não é das que esmorecem com um revés. Nem com dois. E à sombra da tília, diligente, imperturbável, continua a escrever, certo e seguro de que sabe o que ninguém mais sabe, que tem para dizer aquilo que ainda nunca ninguém disse.