A memória raro avisa que vai disparar, e então pode ser uma palavra ouvida, alguém que passa, a cena de um filme, tantas razões mais. Neste caso, porém, sou eu que às vezes a chamo, levado pela nostalgia.
Começou na
Primavera dos nossos dezassete anos. Esbelta, loira, rosto oval, olhos
verde-esmeralda, um sorriso que entontecia, inteligente e sensível, a beleza do
liceu tinha desdenhado dos muitos pretendentes, preferindo a ovelha negra que
eu era.
Amámo-nos apaixonadamente sete meses, desafiando a hipocrisia e a tacanhez do
meio, que aceitava mal o desaforo da fidalga sem-vergonha, a passear de mãos
dadas com o zé-ninguém.
Além do escândalo,
a diferença social era tamanha, que ao saberem da paixão os pais, assustados, a
mandaram para um internato longínquo, com freiras e disciplina conventual.
Usando de artifícios e cumplicidades ainda conseguimos trocar algumas cartas,
mas logo nos demos conta de que o nosso amor não tinha futuro.
Uma manhã, anos depois, o acaso fez com que nos encontrássemos numa estação à
espera do mesmo combóio, e durante as horas que viajámos juntos demo-nos conta
que muito restava da nossa paixão. Mas quando nos despedimos não fizemos
promessas nem chorámos lágrimas. Um último beijo, um último aceno, ela desceu
para o cais e, como eu lhe tinha pedido, foi-se embora sem esperar pela partida
do combóio que me levava para longe.
Quarenta anos passados li no jornal que falecera, e tempos depois escreveu-mo numa
carta a amiga que tinha sido nossa cúmplice. Mas a notícia não me chocou nem
fez entristecer. Tinha morrido a mulher casada, a mãe, a avó em que ela se
tornara e não conheci. A Maria Luísa, amor de um Verão, esbelta, loira, rosto
oval, olhos verde-esmeralda, um sorriso que entontecia, inteligente e sensível,
continua viva na minha memória.