domingo, junho 11

A lentidão da caravana

 

Os cães ladram, a caravana arrasta-se lenta, fatigada, espelho de um país a apodrecer. País tristonho, sem futuro que se lhe adivinhe, iguala a casa de miséria secular, onde se ralha porque não há pão para todos.

Só que a imagem não confere. Nos palácios do oásis, a que a caravana exausta e desorientada não consegue chegar, porque lhe escondem o caminho ou manhosamente trocam as voltas, há pão de sobra e pão-de-ló, champanhe, caviar, lagosta, bifes Wagyu, muito mais.

Dança-se nos seus salões o minuete, os cavalheiros requebram-se em vénias às Marias-Antonietas, enquanto lá fora, de boca aberta encostado à cerca, supondo que é miragem, descrente que tem ali à mão o oásis do seu sonho, o povinho pasma com as luzes e os foguetes, não compreende a música.

Porque essa nunca lha quiseram ensinar, até acham melhor que nem a aprenda, de modo a gozar descanso e paz de alma, pois para seu bem quanto menos souber melhor é.

Como praga rogada, assim se têm ido arrastando os anos, as décadas, os séculos, as vidas e sofrimentos de gerações sem conta. Felizmente a esperança não morre, a vez há-de chegar. Sem rei, ditador ou general, cravos também não, e Nossa Senhora há muito se terá recolhido às nuvens.

Será sem ódio, que esse nada resolve, e os insultos nem sequer são desabafo, pois se alguma coisa mostram é a impotência e o medo de quem os grita. As acusações, mesmo com provas, também nada adiantam, só as ouviria uma Justiça imparcial. Mas essa...

De modo que, irmão e compatriota, o sofrimento é nosso, como também é de nós, e só de nós, que depende a salvação. Não do vizinho, dos partidos ou dos profetas. Não das esmolas, que vergonhosamente nem precisamos de pedinchar, pois nos são dadas por caridade, com desdém de nos verem - nós, caravana - precisados e caídos tão baixo.