“Pára um instante, a escutar as vozes em baixo, não distingue se é a
televisão ou são eles, e encolhe os ombros, desinteressada, tomara que
estivesse na hora de se pôr a andar.
Demorou na banheira, seca-se defronte do espelho, indisposta com o que lhe
falta. Nem cremes nem batom, nos boiões nada mais há que rapar, nem adianta ir
à procura do que sabe que não tem.
– Foda-se!
Praga avulsa, sem destinatário e de alívio nenhum, apenas ruído. Não lhe
apetece o café, menos ainda fazer-lhes companhia, fica por ali, remexendo nisto
e naquilo, despendurando um vestido para de novo o repor, que não vale a pena
levar, atira a mala para cima da cama e abre-a, volta a fechá-la, olhando como
se lhe ignorasse a serventia ou tivesse de fazer cálculos.
Em baixo a televisão rebenta num estrondo de palmas e gargalhadas, tudo treme,
ouve passos de corrida, alguém atira com uma porta e desliga.
Deve ter sido o velhote, que é distraído, tem os dedos grossos, engana-se
sempre no comando.
Tira mais roupa do guarda-fatos e deita-a à toa, só coisas dela, o gordo vai
ficar de beiço caído quando descobrir que já não tem escrava. Cagarolas,
aceita, e em vez de ameaçá-la ou de mandar, ser homem, encolhe-se, põe-se às
risadinhas de puto no recreio.”
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in O Meças