Há livros que doem. A mágoa que causam não tem a ver com o enredo, o sofrimento dos personagens ou a qualidade da escrita, mas porque ao lê-los sentimos que falta neles algo indefinível. A prosa pode ser escorreita, brilhante o trançado de peripécias, surpreendente o conjunto, e todavia, finda a leitura, nem é um amargo de boca o que resta, mas uma forma de decepção, de insatisfação.
Dias atrás perguntava-me um crítico literário porque
seria assim. A avaliar pelo modo como me ouviu, a resposta deve-lhe ter
parecido esotérica ou descabida, mas na verdade é essa a minha ideia.
Independentemente das qualidades ou defeitos que possam ter, há livros que
"dão" e há livros que, "construídos", nos deixam num
desprendimento igual ao que causa a beleza fria e vazia dos anúncios de
publicidade, ou o que sente um adulto com os special effects dos filmes em que os defuntos ressuscitam e os extraterrestres nos ameaçam.
A meu ver é grande, se não fundamental, a diferença entre
os livros que são "dádiva", e aqueles que por razões várias, não
necessariamente más, mostram o "arcaboiço".
Na arte de escrever, "dar" e "construir"
são pólos muito afastados.