segunda-feira, setembro 21

O Syriza e os nossos amanhãs

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Ganhou o Syriza e vamos ter os comentários da esquerda, da direita, de cima, de baixo, de través, o que nada importa. Nenhum, por mais sábio, alcançará a justeza do ancião grego que ontem na TV afirmava, entristecido: "Votei no Syriza, mas nada adianta, não são eles quem manda."
A 4 de Outubro também vou votar, sabendo que nada adianta, apenas por dever cívico, entristecido também, porque a possibilidade de escolha se limita a dois partidos cujas diferenças, se existem, são para inglês ver e, mais coisa menos coisa, beneficiam sempre os mesmos.
Em matéria de política, partidos políticos, governo, consciência social e actividade cívica, o nosso amado Portugal, sabemo-lo de sobra, tem um longo  caminho a andar.
Pessoalmente, o espectáculo dos dois debates que vi entre os cabeças de lista do PS e do PSD, afligiu-me. Nenhum dos senhores tem estofo de estadista, nem poids, é tudo desgraçadamente muito a acenar, não ao cidadão, mas à clientela, mais paleio do que convicção, promessas de feirante garantindo os efeitos da banha de cobra e a chegada de amanhãs que cantam.
Seja qual for o resultado, "nada adianta, não são eles quem manda". A nós, felizmente, resta-nos um grande, precioso bem: a liberdade de expressão, e um parlamento onde eles nada podem: a internet.

domingo, setembro 20

sábado, setembro 19

No palco


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"Por ser corrente, suponho cada vida um enfiar de casos, memórias, rebuliço, o que me faz aceitar mal e como de menos preço a minha, uma de  isolamento, esse tanto mais doloroso quanto nela é permanente, mas secreto o anseio de companhia.
Porque o destino o quis, há muito deixei de lutar, procurando, não a impossível mudança daquele que sou, mas fugindo na invenção de mim mesmo, um pouco à maneira do bicho que para se defender escolhe a aparência que mais seguramente o disfarça. E é por certo para melhor me ocultar que torno mais vivos e detalhados os outros, que levanto o biombo atrás do qual desapareço e os deixa a eles no palco."

sexta-feira, setembro 18

"Meet & Eat" na mansão do Senhor


Como drama os refugiados são tema que, tratado por qualquer de nós – mesmo os muitos e sábios comentadores - fica pelo nível da conversa de café. Ninguém pode prever o que serão as consequências, como o drama a todos irá afectar, que reviravoltas dará a sociedade.
Por enquanto (quase) tudo são congratulações por tanta generosidade, o bom tom é o do politicamente correcto e dos braços abertos.
Isto dito, não me atrevo a mais do que falar do que sei, do que vejo e do que leio. O que sinto e temo guardo-o para mim, não por cobardia, mas para não magoar quem sinta diferente e não tema, mas também porque qualquer discussão ficaria pelo que disse acima: a conversa de café.
Anoto pequenas coisas. Semanas atrás vi fotografias de um ajuntamento de refugiados que caminhava por uma via férrea. Dramático era o detalhe de um homem a empurrar uma cadeira de rodas com um inválido. Mas quantos metros se consegue empurrar uma cadeira de rodas sobre os dormentes da via férrea, antes ela se desconjunte ou o "passageiro" não aguente o martírio?
A manipulação pertence ao nosso tempo, bem sei.
Na Holanda a onda de generosidade estende-se a uma versão particular de "Meet & Eat" e assim cerca de trezentas famílias da cidade de Apeldoorn convidaram refugiados para uma refeição. Mas para que os convidados não se sentissem insultados ou sofressem incómodo, os promotores da iniciativa forneceram instruções: a comida teria de ser Halal; não deveriam ser oferecidas, nem estar à vista, bebidas alcoólicas; as mulheres presentes deviam estar vestidas com decência, usando roupa sem decote e de mangas compridas.
O cidadão holandês de fracos meios chega a estar vinte anos (20) à espera de poder alugar uma habitação social. No momento em que tem os papéis em ordem, o refugiado não só recebe casa, como a encontra mobilada e equipada.
Não adianta continuar a conversa. Ponha-se você no lugar do holandês, e anote para daqui a uns tempos recordar o que escreve um dos comentadores que realmente sabem: "Em 2020 a sociedade neerlandesa será mais dura, mais pobre, sofrendo de conflitos raciais e religiosos que mal se podem prever."   

quinta-feira, setembro 17

A mesma droga

Escrever é vício. A desintoxicação não teve efeito, pelo que o "Tempo Contado", com vergonha de ter dito que ia acabar - "definitivamente"! - baixa a cabeça e amanhã retorna à droga.
Compadeçam-se dele os que sabem ser firmes nas decisões.

domingo, maio 31

Viva a Etiópia!

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Muito se aprende ao acaso das preguiçosas leituras de domingo. Que a Etiópia desde há alguns anos tem uma das economias mais florescentes da África, talvez a que mais rapidamente cresce, já eu sabia. Também não me era novidade que várias multinacionais estão a abandonar a China e se instalam a Etiópia, onde os salários são baixos, mas o pessoal é eficiente. Verdade é que a democracia  anda lá pelas ruas da amargura, e quem critica corre os riscos costumeiros. 
Mas o que ignorava é que o governo autoritário leva a sério o combate contra a corrupção, e o faz a todos os níveis, desde o ministro  ao taxista. Muito eficiente prova ser a obrigação do recibo, porque quem vende e não entrega prova do que vendeu vai doze anos para a cadeia. Doze. Seja qual for o montante.
 

Entrevista DN 29.0515



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Gosta de ir à Feira do Livro?

Gosto por razões várias, diria até históricas, pois a primeira que visitei foi a de 1947. Tinha dezassete anos, era a primeira vez que vinha a Lisboa, aquilo pareceu-me um mar de gente com montanhas de livros. Fez-me grande impressão. Tenho ideia que era no Rossio, mas não garanto.

Deve ser o autor que de mais longe vem?

Trás-os-Montes não é assim tão longe, mas creio improvável que me convidassem se acontecesse estar em Amsterdam. Felizmente, a Feira coincide com a estadia na aldeia. Devo também assinalar que a Quetzal cuida tão bem de mim que vir à Feira toma aparências de mordomia.

Já teve algum incidente na Feira que o divertisse?

Que me divertisse não será a boa expressão, antes que me surpreendeu e, por segundos, quase me fez perder as estribeiras.
Dois anos atrás, quando acabava de lhe autografar um livro, um cavalheiro de uns quarenta e poucos anos perguntou-me à queima-roupa se determinado personagem de um conto meu era baseado no seu pai que, sabia ele, eu tinha conhecido. De facto assim era, mas num relâmpago dei-me conta que se  respondesse pela afirmativa o ia desgostar, confirmando a fraca reputação do progenitor. Optei pela mentira e foi ele descansado.

As pessoas gostam de lhe dar ideias para os seus livros?

Até hoje ninguém se atreveu. Além de que me pareceria mau gosto, não garanto a delicadeza da resposta.

Qual a memória mais marcante de uma Feira do Livro.

Ver-me ali pela primeira vez em 2010, não como visitante, mas como escritor, o que sinceramente me provocou um sentimento de irrealidade, assim como quem acorda de repente e se vê num palco.

As portuguesas são muito diferentes das do estrangeiro?

Nas feiras estrangeiras nota-se talvez um convívio mais cordial entre visitantes e escritores. Em Portugal as pessoas parecem manter uma certa distância, aquela atitude de não querer incomodar.

 Sobre Pó, Cinzas e Recordações.

O que contém este livro que mais possa surpreender o leitor?

Provavelmente a franqueza, o modo directo e desinibido, o gosto da partilha. Porque ao fim e ao cabo um diário escrito para ser publicado é, de certo modo, uma forma de conversa com um interlocutor imaginário, que se pressupõe capaz de sintonizar na mesma onda.

Há situações que pretendem espicaçar o leitor. Faz de propósito ou são reais?

Se o leitor se sente espicaçado é com ele. Eu simplesmente lhe apresento o meu  dia-a-dia, o relato daquilo que faço, sinto, ou me acontece. Não há ali um  propósito de efeito, ou construção. É o passar dos meus dias, é a minha vida.

Porque teima em escrever diários num país que prefere o esquecimento à memória?

Ter escrito apenas dois não me parece teimosia. Este escrevi-o porque me pareceu que assistir à passagem para o novo milénio era um acontecimento invulgar, mas também porque o meu editor holandês achou que valia a pena reincidir.
Sinceramente não me parece que no nosso país se prefira o esquecimento à memórias, diria antes que o café e a praia oferecem atractivos que a solidão da escrita não tem.

Como é que escreve o diário. Todas as semanas?

Tal como o nome indica: todos os dias. O mesmo faço há oito anos com "Tempo Contado", o meu blogue.

Toma notas ou escreve quase em definitivo?

Creio que se escrevesse a partir de notas o leitor ressentiria o fabricado, de maneira que arrisco, mas cuidando que a prosa saia escorreita.

Disfarça os 'protagonistas'?

Nem sequer os nomes disfarço. Não faria sentido, além de que também aí o leitor se ia dar conta da falta de sinceridade, de que não se tratava de uma conversa franca, mas de uma mistificação, uma tentativa de impingir sentimentos, inventar situações.