quarta-feira, setembro 24

Um segundo amor

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Tem a vaidade de que na rua chama a atenção, mas mulher passada dos cinquenta devia inteirar-se de que isso a poucas é dado, fora que bastaria abrir um nadinha os olhos para reparar na impiedade da concorrência.
Mas ela fecha-os e vai por entre a multidão de cabeça erguida, sorriso de adolescente, iludida de que à sua passagem se abrem alas, que tudo o que é macho apetecível a segue entesado e de braguilha aberta.
Falhou nos namoros, nos amantes, no casamento, e outra vez nos amantes.
Sonhos já não tem, só pesadelos, fantasmas que a perseguem nas insónias da madrugada e acusam como se estivesse em tribunal.
Desde há pouco, num desespero, abriu conta no secondlove.nl e encontra-os num hotel. Alguns querem dinheiro, outros abusam-na, ouve confissões, aprende vícios, e se não alcançou ainda a felicidade, pelo menos tem ideia de que aos poucos se vai livrando do inferno.



terça-feira, setembro 23

Fernão Lopes

De vez em quando tenho acessos de ternura pela nossa língua e vou-me a reler Fernão Lopes.

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sábado, setembro 20

Vidente


De facto, fosse eu vidente e muito me pouparia de desmandos, passos em falso, de a mim próprio trocar as voltas e de que confundam com más (que só de vez em quando tenho) as minhas boas intenções.
Assim acontece que, desejando tornar conhecido o apreço e o júbilo que me causa a emancipação feminina, particularmente notável num desenvolto e muito viril emprego do vernáculo, me vejo ironizado aqui, incompreendido além, informam-me de lágrimas secretamente vertidas em consequência dos meus desmandos.Para o mal feito não tenho remédio, e as promessas, minhas ou alheias, valem o que valem, mas sempre que conseguir manter-me nas estribeiras prometo que deixarei de usar a palavra "gaja" ou o seu plural, a não ser em casos extremos, como faca na garganta.
Porque me fazem saber que involuntariamente a magoei, e como, nem de longe, seria esse o meu intento, quero deixar aqui testemunho da deferência que me merece  a gentil Senhora (com maiúscula, pois então) que dá por "sexinho" e tem morada em www.osexoeaidade.com.
Deferência e mais, porque há anos lhe sigo regularmente a prosa e as andanças de que dá conta, a graça com que narra as suas férias, o cómico dos seus literais apertos com vestidos de múltiplos botões nas costas, a vasta colecção de kits que guarda de inúmeras viagens transcontinentais.
Mas então não é que me maltratam, e a própria Senhora o sublinha, que maldosamente aludi a uns Louboutins que não usa e passei por alto a sua menção de O Dia Mundial da Doença de Alzheimer?
De facto para os Louboutins não encontro desculpa, mas com a doença de  Alzheimer a coisa muda de figura. Talvez "Sexinho" o ignore, mas mau grado excelente saúde, na minha idade não basta dizer tarrenego ou abrenúncio,  a probabilidade é grande que, sussurrando "Alzheimer!", a memória me comece a falhar e eu deixe de reconhecer a companheira de cinquenta e tal anos. E isso creio que ninguém mo deseja.
Termino. Gostaria, e assim espero, ter satisfeito gregos e tróianos, ter disperso névoas, deixar prova da admiração que "Sexinho" em particular me merece e, já agora, tornar essa admiração extensiva a todas as "gajas" do actual e antigo Portugal daquém e dalém mar.    

sexta-feira, setembro 19

As novas "gajas"


Prezado D. Pipoco,
Muita confusão advém da leitura apressada e dos esconsos sentimentos do leitor! Escrevi eu de boa-fé e com apreço acerca de "coisas de gajas", sofro de imediato a sua elegante estocada que, deixe-me dizer-lhe, além de imerecida, é mal empregada neste oponente, que à fragilidade dos anos acrescenta o ferrete de emigrante, tipo de gente que, pelo que de si tenho lido, lhe merece pouca estima.
Deixemos essa e outras miudezas, vamos ao que conta. A palavra "gajo" ouvia-a eu na infância, ora com o sentido de apreço, "um bom gajo", ora significando desprezo, como em "esse gajo é um fdp". Eça de Queiroz, como pode ver,  dava-lhe o significado de compincha ou do inglês "fixer".
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Talvez porque há mais de sessenta anos vivo longe, não me tinha ocorrido que a palavra tivesse feminino, pelo que me foi novidade e muito alegrou, quando ao tornar-me leitor ávido de blogues de senhoras  descobri que não somente havia gajas, mas para meu assombro elas excediam de longe o meu conhecimento e o uso do vernáculo.
No sossego em que trabalho, tem-me acontecido, não direi corar, mas sentir um inesperado arrepio ao dar-me conta de que a tola emancipação dos anos 60 resultou numa emancipação de verdade. Porque devo dizer que a igualdade, toda a igualdade, inclusive a dos sexos, continua para mim um inestimável bem.
Abespinhou-se Vossência de me ver descarrilar, permita-me que explique e retorne a alguns blogues femininos que, além de divertido e ensinado, me têm aberto os olhos (nunca é tarde demais) para o mundo que me rodeia.
Infelizmente descontinuado, havia um, anonimadosenes.blospot.com, que pela liberdade do pensar, a franqueza do erotismo e a excelente prosa, não só conseguia assombrar-me, como contribuiu para que revesse algumas ideias e sacudisse uma ou outra teia de aranha da minha sensibilidade. Desconhecendo a autora, aqui lhe deixo prova de gratidão.
Devia calar umjeitomanso.blogspot.com , porque já lá recebi louvores, mas a senhora é incomum no estilo, na linguagem, na interpretação de informações e, last but not least, no erotismo gótico das suas histórias.
A terminar é obrigatória a menção do blogue da "gaja" onde, anos atrás, andava ela então pela Holanda, descobri a palavra: osexoeaidade,blogspot.com. O título é um achado. Incomodava-me, não a fotografia do rosto da Madame, mas o chapéu de ranchero paraguaio com que ela se cobria, felizmente trocado há pouco pela frente de um Porsche clássico.  
Outros teria a apontar e para tal aguardo hora propícia. A razão das minhas visitas ao/à (?) "sexinho" é simples: deveria dizer que vou lá para receber eflúvios, mas a verdade é singela e plebeia como o estrato a que pertenço, vou lá para cheirar um modo de vida que só conheço de ouvir dizer, um mundo de Louboutins, Blhaniks,  Dior, Chanel, Lamborghinis,  Bentleys, "gente linda", resorts e champanhe.
Vejo que exagerei. Mais uma vez dou conta que, mau grado tão longo afastamento físico, continuo um Alpedrinha e, como ele,  um "meridional, das nossas terras palreiras da vanglória e do vinho".
Creia-me Vossência att. seu.
JRC
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Este texto  pode também ser lido aqui.

Cálculos

Já nem nos computadores se pode confiar. Desde há semanas que a contagem de visitantes deste blog apresenta curiosas diferenças:
eXTReMe assinalava ontem 438, o Sitemeter apenas 334. Compreenda quem for capaz.

quarta-feira, setembro 17

De gajas e do garbo

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Prezado D. Pipoco,
Já que indirectamente me chamou à dança, deixe que lhe diga a minha estranheza pelo seu anseio de polémicas. Os tempos vão de guerras, de crueldades, mas isso acontece longe e entre povos desatinados, incapazes de resolver querelas seculares acerca da família do Profeta e questões de poderio.
Nós, gente de sensata cobardia, usamos a capa dos brandos costumes, já nos parece demais uma zanga no estacionamento ou um olhar vesgo no supermercado.
Fôssemos nós abertamente maus, que não somos, nem conseguimos sê-lo, mas também não nos podemos dizer bons. O nosso drama é sermos bonzinhos, gentilmente viscosos e escorregadios como pele de enguia, netos em linha directa de Janus, o das duas caras.
E com a gente que somos deseja Vossência duelos de florete? Levantou-se em tempos a fábula das mocas de Rio Maior, ficção semelhante à que Camilo tinha escrito de valentões armados de estadulhos a varrer as feiras de Lanhoso e do Arco de Baúlhe.Pauladas e catanadas não é connosco, e quando por acaso é vamos para um longe onde não nos conheçam, como em tempo remoto fizemos em África e no Oriente. 
Se uma ou outra imitação de duelo por aí acontece, é em ambiente perfumado, as mãos enluvadas de camurça a esgrimir penas de pavão. "Coisas de gaja", como recentemente  aprendi a dizer, interessante frase que me leva a referir a palavra "garbo" que Vossência elegantemente usou.
Estava ela tão fundo entre as ferramentas do meu artesanato, que num primeiro impulso quase abri o dicionário. Porque convenhamos: há quantos séculos deixou de haver garbo, se é que alguma vez o houve entre nós, fora da lírica de Camões?
Cordialmente seu,
JRC

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terça-feira, setembro 16

As belas histórias de amor

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Belas histórias de amor? Pode dizer-se que abundam e delas temos notícia desde que alguém se deu ao trabalho de contá-las no Velho Testamento.
A primeira de que tive conhecimento e recordo foi a de Jacob e Raquel, as outras desapareceram submersas no oceano de paixões que fui encontrando na Literatura, no Teatro, no Cinema, na Ópera e na Televisão. Acidentalmente posso lembrar um nome, a Laura de Petrarca, Cleópatra, Greta Garbo, Jean Harlow, tantas e tão esquecidas outras, mas o que aqui vem ao caso não são as paixões inventadas, romanceadas, sim as pessoais, as únicas e genuínas. As raríssimas que não se vivem em anos mas em dias, por vezes em momentos, as que nada têm a ver com as da ficção, nem lhe imitam os episódios, menos ainda os diálogos, mas ressaltam entre dois seres como faísca e literalmente os atiram para o Nirvana ou o Inferno, que em momentos desses nada importa o destino, só conta o delírio.

domingo, setembro 14

O coqueiro

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É de mau agouro e contranatura a paz que há décadas, talvez quase um século, reina nas Letras portuguesas.
Entre os que a elas se dedicam, e os que as analisam e comentam, há muito desapareceu a máscula troca de murros e insultos, não há notícia de rixas de café, ameaças, duelos, roubo de amantes ou acusação de desvios. Tudo se mostra estranhamente sereno, cortês, cordial, mesmo a birra entre o prócere que aguardava o Nobel, e o felizardo que o recebeu, se limitou a uma breve e indirecta troca de resmungos.
Semelhante calmaria forçosamente trará resultados funestos, não se descortina  jovem literato que, ansioso de novidade e mudança, se encoraje a  desempenhar o papel clássico do elefante na loja de porcelana.
Uma situação destas não pode de facto continuar, é doentia, anormal, toca o absurdo.
Escreveu A. um péssimo romance classificado com uma única estrela? Pareceria justiça, mas na prosa acompanhante o crítico desfaz-se em louvores e ditirambos, cita a estreia do cujo, prevê o êxito da próxima opus.
Deu a jovem B. simultaneamente à luz um bebé e cento e dezanove páginas de recordações da sua infância em Aguiar da Beira, estremecem os plumitivos, excitados com a promessa do excepcional talento.
É péssimo sinal. Entre louvores, abraços, demasiado respeito pelos ídolos e encorajamentos de infantário, vão-se as Letras portuguesas serenamente afundando num charco de banalidade, em parte alguma se descortina o crítico azedo e competente que dê ao coqueiro a forte e muito precisa sacudidela.