quinta-feira, junho 6

O "Amêndoa"

Para uns quantos não será surpresa, que há muito a conhecem. Outros virarão a cara, porque a vergonha e o medo, sobretudo o medo, lhes manchou a família, e o ferrete perdura. Passou-se perto daqui, e talvez pelo feitiço da narrativa, enquanto ma contavam “vivi” as cenas.
De nome Simão, por alcunha o “Amêndoa” - ai de quem lho chamasse - forçudo, violento de carácter, a entrar na meia idade, juntava à pouca lavoura um negociozito de peleiro e muares.
A sociedade que mantinha com este e aquele cigano, ora lhe dava lucro, ora fazia com que o olhassem de revés, a filha mais nova ficara para tia por se ter amorachado de um Chico Tendeiro, nado e criado pròs lados de Sevilha, que ninguém sabia onde era, e alguns diziam ficar perto de Escalhão.
Assistia-o nas andanças um Franklin, quase nos trinta, de bons músculos, pouca cabeça, assim baptizado por simpatia do progenitor que, sonhando ir para a América, quisera atrair a sorte fazendo-o homónimo do presidente.
Uma tarde, estando no alpendre a apurar as contas do que pensava ter ganho na feira, despendurou o “Amêndoa” o colete e em vão procurou a bolsa.
Tinham-lha roubado. O ladrão, julgando-se esperto, voltara a prender o alfinete de segurança com que fechava o bolso.
Repensou, reviu por onde tinha andado, de quem tinha recebido, as contas que saldara, ficou o Franklin como único suspeito. Problema era levá-lo a confessar, e fazê-lo depressa, não fosse dar às de Vila Diogo, que nunca mais lhe poriam a vista em cima. Fora que os duzentos e vinte sete contos era soma que, perdida, nem em dez anos voltaria a arrebanhar.
Manhã cedo, pontual, veio o Franklin dar as boas-horas, e o “Amêndoa”, replicando sorridente, apontou-lhe uns fardos de pele. Levasse-os para o armazém, que estando ao sol endureciam. Diligente, pegou-lhes o rapaz às costas, foi ele adiante para abrir a porta, fechou-a de seguida.
- Roubaste-me a carteira.
Grande pasmo do acusado, malvado mas carinha de anjo. Que não senhor. Ia ele agora fazer semelhante coisa. De mais a mais a tão bom patrão. E vá de jurar, pedir o testemunho da divindade, conseguiu mesmo espremer uma lágrima.
Ao modo de quem convida para uma dança, o “Amêndoa” enfiou-lhe o braço, e assim foram até ao fundo do armazém, onde a claridade era pouca. Só quando o patrão lha apontou é que o Franklin deu pela corda que, grossa como um punho, pendia da trave.
Tentou fugir, mas o braço era de ferro e, um empurrão mais, enfiou-lhe o laço na cabeça.
Que remédio, senão confessar. O “Amêndoa” tinha explicado que doutro modo puxava a corda, o povo iria dizer que não era o primeiro que se enforcava e ninguém sabia porquê.
Outra confissão fez ainda: já tinha gasto trinta mil réis na taberna. Em vinho e no que perdera às cartas.
Perdoou-lhos o “Amêndoa”, em desconto do susto.   

segunda-feira, junho 3

Fred Astaire na Feira do Livro


Olhos mortiços, ar azedo, bigodinho, pele baça, o tónus dos músculos comido pela idade, o fato como que pendurado no esqueleto.
Chega e dispara: - Não venho para comprar os teus livros, nem quero autógrafo.
Respira fundo, com vagar e cuidado acomoda-se na cadeira. Endireita o vinco das calças.
- Venho só pra te dizer que fomos colegas no quarto ano, no liceu de Viana. Lembras-te?
- Não.
Desfia nomes. Sicrano, Beltrano, o Estica, o Rodinhas.
- O único que recordo é o Agostinho. Encontrei-o há-de haver...
- Morreu – corta ele, seco. - Mas, palavra? Não te lembras de mim?  Eu fazia sapateado, imitava o Fred Astaire. A gente dizia o Fred às Tiras, hein?  Tenho a certeza que disto...
A cena durou. Por fim decidiu levantar-se, anunciou que me achava estranho, acrescentando:
- Em todo o caso a minha memória é melhor do que a tua. E estás careca. Eu tenho o cabelo todo!
O cabelo todo: uma dúzia de farripas coladas no crâneo, de um colorido artificial, a lembrar o da cenoura. Mas excelente memória.

domingo, junho 2

Gothic


Cada um vive a sua vida, que remédio, mas são tantos aqueles a quem a própria não basta, que se deitam a existir em permanência num palco fictício, na ilusão de que a persona que “vestem” se torna a verdadeira. Os casos graves recolhem ao manicómio, os de tipo corrente passam por nós na rua, mas são tantos que a atenção se embota. A mim atraem aqueles a que chamarei intermédios, os que em vários aspectos ultrapassam o comezinho, mas de qualquer modo ficam aquém do internamento.
Assim, ontem me vi-me lado a lado com um extraordinário par e, perfeito basbaque, detive-me um instante e apertei os queixos, sentindo que se me abria a boca.
Eram ambos grandes, gordos, ele mais para o gigante, ela maneirinha nos redondos. Tudo de um preto retinto, da  artística gaforina às Doc Martens, o elaborado vestuário, as sobrancelhas, as tatuagens na face e na testa.
Avançavam a passo, que rapidez não lha permitiam a obesidade, a estatura e o peso dos metais com que se adornavam. Mais Gothic não poderiam ser, durante minutos caminhei atrás deles, fascinado pela aparição.
Perdi-me depois a imaginar como será a intimidade de semelhante gente, e concluí que prefiro encontrá-los na rua, do que surpreendê-los em casa despidos dos atributos.

sábado, junho 1

Feira do Livro

Em parte é da idade, bem sei, mas deprime, entrar na sala do pequeno-almoço de um hotel, e dar com uma massa de gente de idades várias, naqueles trajes com que o cidadão-turista crê passar da triste mediania para o estatuto de homem do mundo, viajado que baste.
Há ali de tudo, desde a anciã em mini-saia, a uma cinquentona que faz arregalar os olhos, de  jeans esburacados nas coxas, atrás, à frente, dos lados, em cima, em baixo, nada de rasgões de tolice juvenil, mas buracos convidativos, por onde facilmente entrará mão que apeteça o que os franceses elegantemente denominam viande faisandée.
Velhinhos melancólicos, de calções desbotados, apresentando às oito da manhã, uns, tíbias adornadas de varizes, outros panças de gravidez, que não são de menino ou menina, mas de comezaina, em risco de explodirem ali, quando repetem a pratada de bacon e ovos escalfados.
Estou na Feira do Livro em Lisboa. Graças a Deus, a multidão que por lá passa nem toda tem o ar destes companheiros do meu pequeno-almoço. Se tivesse, creio que fugia.

segunda-feira, maio 27

Dois cus, tango e manteiga

Seria cruel desenhar-lhe o físico, ou descrever os tiques. Baste notar que é do tipo stalker, há anos que num ou outro evento avança direito a mim, o sorriso pronto, a câmara ao jeito de pistola.
Apertada a mão, vai direito ao assunto, espera que me pasme, ou pelo menos sorria.
Desta vez foi a sua mítica viagem pela Europa em 1970. Terá dito 72, 69? Oiço mal, a gente é  sempre muita, grande o barulho, por menos se me escapa a atenção. Mas pouco importa.
Conta ele que, chegado a Amsterdam, logo se lhe abriu a boca. E não foi pelos canais, nem pelas jovens esbeltas, loiras, despachadas, ou pela insegurança de se saber metros abaixo do nível do mar. Foi, sim, por um cartaz na frontaria de um cinema, reclame para o então muito discutido filme The Canterbury Tales.
- Era gigantesco. O nome da fita em letra pequena e dois cus muito grandes, mas mesmo muito grandes, enormes, virados para a rua! Por cá nunca se via aquilo. Ainda estávamos muito atrasados.
Depois fui pra Paris.Por causa do Marlon Brando no Último Tango em Paris.Cá não se podia. Viu?
- Sim.
- Então já sabe, mas pra mim foi novidade. Não é que a manteiga não se usa só pra barrar o pão? Está-me a compreender?
Seguro da minha resposta, virou as costas, foi apontar a câmara a outro. 

terça-feira, maio 21

Dois momentos

 
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Os bolinhos de bacalhau abriram o almoço e estavam uma delícia.
A ele, muar possante, conheço-o vai em onze ou doze anos, e mantém o hábito: quando me sente vem espreitar.

domingo, maio 19

Ainda nos cueiros

Duas ou três semanas atrás, na “2”, a revista do Público, um entrevistado cujo nome esqueci, mas comunista e homem que passou por Marrocos antes do 25 de Abril, referia-se a Henrique Galvão como um tonto, e a Humberto Delgado como homem de planos absurdos, o desatinado ingénuo que “depois de fazer a revolução de Beja, foi passear a Lisboa”.
A biografia de ambos estes heróis está por fazer e irá demorar, temo que se o autor delas já nasceu ainda ande de cueiros, o que, pela idade que tenho, me vai tirar o gozo de lê-la.
Todavia, vão aparecendo pequeninas achegas, e a ocasião virá em que os heróis da vitória sobre o Fascimo serão reduzidos à sua verdadeira estatura, ficando a descoberto os podres do tão festejado acontecimento.
A televisão holandesa, no programa “Andere Tijden” (Outros tempos) relatou há dias um detalhe,  referido e explicado aqui:
http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/05/o-financiamento-da-cia-ao-ps-documento.html   

quarta-feira, maio 15

Roam-se

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A cabeça não basta. Nem as leituras. Menos ainda aqueles anos gastos a estudar ciência da literatura e os meses perdidos em "oficinas" de escrita criativa. Tarimba em vida airada ajuda um bocadinho, mas é preciso mais. Conhecer o que faz babar novos e velhos possuidores de um quociente intelectual que leva a crer em extraterrestres, paixões súbitas, amores eternos, uma vida inteira de cópulas orgásticas, permanentes férias. Depois jurar que a sua vida é assim, e um matrimónio exemplarmente "aberto" como o seu permite "tudo isto e o céu também", uma vida de eterna festa.
Ter 1965 como ano de nascença pode ser tropeço, mas que não obste: há sempre à mão um fotógrafo competente.
Roam-se de inveja, meninas candidatas a escritora: Heleen van Rooyen já vendeu para cima de milhão e meio de livros, vive em luxo algarvio e num corrupio de festas e sucessos.
Porém, de nada adianta invejá-la, sonhar: é indispensável ter descaro, e sobretudo as "curvas", pois a "literatura" há muito deixou de ser o que parecia, é um produto como o detergente e, como ele, tem marca, vende-se no supermercado. Infelizmente é produto que não lava, nem eleva.

domingo, maio 12

Em Moncorvo

Esta semana foi de silêncio, mas sem preguiça, antes de alguma canseira, a mostrar o Nordeste transmontano ao neto que, holandês, dezasseis anos feitos, chegou à idade em que a sério, de homem para homem, se fala da vida, da família, das coisas do passado e desta terra  com gentes, hábitos, modos e paisagens tão diferentes daquela em que nasceu e vive .
Acabámos a ronda em terras de Moncorvo.
Pela mão amiga de Nelson Campos, subimos à torre da igreja a ver a misteriosa figueira e, mais acima ainda, ao telhado. Ali se erguia em tempo remoto a cúpula que as intempéries e o descuido fizeram derruir, e ele com talento nos desenhou.
Lá do alto fotografámos a rua onde, em viagem por estas bandas, Sarah Langton e Jorge Ferreira se hospedaram. Depois, seguindo-lhes o exemplo, fomo-nos ali a dois passos almoçar ao Carró.
 
 
 

 
 
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terça-feira, maio 7

Infelizes


A ideia que tenho é de que foi no último Verão , uma daquelas notícias de jornal que se lêem com o  olhar vago, mas de qualquer maneira, talvez pelo absurdo, o exótico, o inesperado, ficam penduradas na memória.
Tratava-se dum inquérito em que cientistas de várias ciências tinham medido o grau de contentamento dos povos europeus, e nele surgiam os holandeses como os mais felizes. Nós, mau grado o sol e outras benesses, fechávamos o pelotão dos infelizes e descontentes.
Porque me entristeceu o resultado dessa investigação científica, grande foi o júbilo que senti ao ler uma entrevista no Financial Times, onde uma Claudia Senik (48), catedrática e cientista, explicava as razões que empurram os franceses a colocar-se entre os europeus mais infelizes.
Segundo ela deve-se isso à extrema exigência do sistema escolar francês, no qual só raros conseguem brilhar. Daí resulta que os adolescentes criam complexos de inferioridade, e  uma vez adultos é neles quase nula a autoestima e a autoconfiança. A catedrática terminava  afirmando que os franceses devem ser menos exigentes consigo próprios.
Um jornalista holandês, referindo a mesma entrevista, assinalava que "os holandeses são felizes porque facilmente correspondem à expectativa que de si próprios têm, cujo nível é baixo. Numa escala de zero a dez, contenta-os um seis; se numa corrida não vencem a medalha de ouro, mas a de bronze, já acham bastante."
De modo que talvez os holandeses ganhem se passarem a sentir-se infelizes, exigindo mais de si próprios. Por sua vez nós, os húngaros, os franceses, e outros europeus sombrios, devemos moderar a ambição, correr menos atrás de quimeras.
Aqui chegado, não me surpreenderei se no remanso do Verão ler no jornal que as conclusões do inquérito estavam erradas e, com gráficos e listas, outra sabichona vier determinar os porquês da nossa alegria e da nossa infelicidade.

domingo, maio 5

Rapinagem

 
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A comida é para os gatos, que sem contar os hóspedes são agora oito, mas andam a abarrotar, não lhes faz mossa a ladroeira destes.
Em gatos e gente, a barriga cheia enfraquece o instinto. Políticos e banqueiros não são gatos, mas parece improvável que sejam gente.

sábado, maio 4

Profecias

São mostras de simpatia para quem as dá, aquele que as recebe agradece, e ao mesmo tempo finge que não sente o aperto do coração.
A um amigo, adiantado em anos, que no alpendre guardava carradas de lenha bastante para manter acesa a lareira durante anos, no dia em que encomendou mais, o fornecedor mediu com o olhar o monte de toros que já ali havia, encarou-lhe as rugas e, sem malícia, fez a profecia:
- Tenho a certeza que não a gasta toda.
Quase o mesmo ouvi eu, quando fui buscar uns cartões que tinha encomendado, para não estar sempre a escrevinhar o endereço de e-mail e os números dos vários telefones.
Insistindo que verificasse se tudo estava como devia ser, o mais que simpático e competente tipógrafo esclareceu, encarando ele também as minhas rugas e o estrago dos anos:
- O senhor encomendou duzentos, mas não vai precisar de tantos. Fiz cento e cinquenta. Acho que chegam.
Foi cuidado, foi carinho, e agora aqui estou eu, supersticioso desde o berço, a dizer-me que cada vez que alguém me leva um cartão me leva um dia de vida, uma semana, um mês, porque cento e cinquenta anos não vou durar.

quinta-feira, maio 2

Rua de Gaia

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A vizinhança onde nasci, cena que vezes sem conta presenciei e ainda me comove, fazendo o milagre de me tornar menino.

(Fotografia de E. Biel, Colecção A.A. Ferreira, retirada do livro Dona Antónia, de Maria Luísa Nicolau de Almeida de Olazabal e Gaspar Martins Pereira, 1996)

quarta-feira, maio 1

1 de Maio

Difícil de ultrapassar em cinismo, tristeza e absurdo: o feriado do Dia do Trabalho, num mundo de desemprego.

terça-feira, abril 30

A Família Real dos Países Baixos

 
Súbdito leal faço vénia e desejo-lhe paz, felicidade, alegria e longa vida.

segunda-feira, abril 29

4.6 Mb

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Não é queixa, nem gracinha, apenas testemunho da minha realidade aldeã: para poder enviar um e-mail com um anexo de 4.6 Mbites, suspendo o portátil na janela, assobio a dar-me paciência, espero quarenta e dois minutos bem contados antes que apareça o sinal do envio.
Subir a pé uma encosta de seiscentos metros é outra possibilidade, mas gasto mais no caminho do que o quarto de hora que ganho na emissão.
De modo que por estas bandas, como o sinal ainda não atravessa as paredes, o uso da internet torna-se desporto, actividade ao ar livre.

domingo, abril 28

Rainha Beatriz

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Sou um dos milhões a quem a Pátria, mãe desleixada, entregou na Roda dos Expostos, deixando a outra o cuidado de me dar mantença e garantir uma vida com deveres, direitos, justiça e dignidade.
Essa vida tem sido a minha, desde que há cinquenta e sete anos cheguei ao Reino dos Países Baixos. Não me vejo a agradecer, nem a Holanda de mim o espera, pois faz cada um de nós o que deve: cumpro eu os deveres, garante ela os direitos, o bem-estar, a legalidade. Não agradeço, mas admiro e invejo.
Agora que, dois dias mais, a Rainha Beatriz vai abdicar, e o seu reinado foi de muita dedicação aos interesses da res publica, de sincero cuidado e carinho para com os seus súbditos, magoa-me dobrado fazer a comparação e, para só falar dos da Terceira República, não poder dizer o mesmo dos chefes de estado, dos primeiros-ministros, dos governantes que violam a pátria que nos é madrasta, a pilham desavergonhadamente com artes de cavalheiros de indústria, nos dão mau nome e irreparável prejuízo, a nós e aos que hão-de vir.




sexta-feira, abril 26

Ipsilon

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Se estivesse nos trinta, de certeza abria o champanhe, mas chegado aonde me encontro a serenidade leva a melhor. Não é que a satisfação seja menos, mas tanto ou mais do que o testemunho público conta o sentimento de que, no caminho andado, dei, dou ainda, o meu melhor, grato aos que me ensinaram, ciente da dívida que tenho para com aqueles que, desde os trovadores e Fernão Lopes, vieram afinando o maravilhoso e delicado instrumento que a nossa língua é.
Isso permanece, está dentro de mim. O resto é superfície, passagem, a esta hora os jornalistas escrevem sobre outros casos, os fotógrafos buscam outras caras, o Ipsilon de hoje morre por volta da meia-noite.


quinta-feira, abril 25

Dia 26


quarta-feira, abril 24

"O que é um escritor?"

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Às centenas de milhar de jovens, menos jovens e anciãos aspirantes à fama literária, que gastam horas, noites, a caboucar os alicerces da opera magna, recomendo que leiam pausadamente o texto de António Guerreiro com o título acima, que se encontra na página 36 do Ipsilon da passada sexta-feira.
Porque é como lá se diz: a escrita em si, só de viés entra no assunto. Conta a apresentação e o funcionamento, a maneira de estar, participar, agir com acerto.
Na Feira do Livro de Frankfurt, muitos anos atrás, quando ainda me afligiam uns restos de inocência, colegas de várias nacionalidades vi eu a desfilar num catwalk perante um gargalhante público de editores e agentes. Disse então alguém que pareciam manequins, mas a mim, que sou do antigamente, lembravam mas é as putas da casa de passe na Rua da Glória, Lisboa, quando Madame Blanche, ao ver entrar um freguês, batia nas mãos e gritava “Meninas! À sala!”
Busca você fama e proveito? Deixe as letras em paz, pare com as histórias. Mude rumo e vá estudar teatro.

terça-feira, abril 23

Há guias e guias

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Original, inteligente, erudito, falta-me ainda o adjectivo para qualificar o misto de surpresa e entusiasmo com que li o livro de Bruno Vieira Amaral.
Todos estes personagens já eu conhecia, e alguns deles, como o inesquecível Teodorico Raposo de A Relíquia, ou o Malhadinhas de Aquilino, acompanham-me desde a adolescência, quase me atreveria a dizer que "são meus".
A diferença, e grande diferença é, reside em que estes dois e os outros quarenta e oito me surgem aqui diferentes, mais complexos, examinados pela lupa de um talento que, abrindo perspectivas inesperadas, me obrigou a rever o que há muito julgava pronto e arrumado.
Se a Literatura é interesse seu, e aprecia as boas surpresas, dê-se um presente: vá ler este GUIA PARA 50 PERSONAGENS DA FICÇÃO PORTUGESA.




segunda-feira, abril 22

Montez & Marketing


Deram-me aqui um cumprimento indevido,mas logo um senhor Mário Montez reagiu acertadamente, afirmando nos comentários: 
Mário Montez disse...
o melhor escritor vivo, e o camilo já fazia isso há duzentos anos? de vez em quando desenterram-se nomes, parece que para se lhes dar uma boa morte. é só pensar em alguns. dois, por exemplo, são do maestro manuel de freitas. quando um deles morreu, o freitas apressou-se a ir buscar outro, vejam lá, ao islão. assim me parece o surgimento de rentes de carvalho. quanto ao resto, é um entusiasmo pouco lúcido e muito vulgar afirmar-se que este é o melhor romancista, poeta, pintor, livro, etc. que surgiu desde as calendas. convenhamos que rentes de carvalho não passa disso mesmo, de uma afirmação. porque é que, octogenário, só aparecem a falar nele agora? queixa-se, de viés, no blogue, de óscar lopes, por não o ter metido na historia da literatura portuguesa e, ainda de esguelha, vai instilando que foi por oscar lopes ser comunista, ser do 'partido'. é uma má razão, é um olhar turvo próximo da cirrose. na dita história da literatura portuguesa, abundam autores conservadores e, no entanto, óscar lopes e a. j. saraiva leram rentes de carvalho de certeza. digamos que estes exageros viraram moda. é preciso recuar a eça? ora, ora, batatas, e os outros todos que vieram depois de eça, bem mais amplos do que o muito louvado aqui? é uma boa acção dar alegria a um homem de oitenta e tal anos, quando nunca mais pensava tê-la. é vê-lo feliz a escrever no blogue e a falar de si próprio e dos outros da cátedra que omarketing lhe deu.

Ignorava eu que na afastada Holanda, vai já em cinquenta anos, e mais recentemente em  Portugal, misteriosas forças de marketing intentam fazer de mim o que não sou.
Graças a Deus vem o senhor Montez pôr a descoberto as actividades desses poderes subterrâneos, e digo-lhe, bem haja, pois é dever de todos nós apontar as forças do Mal e as suas nefastas actividades.
Um ponto devo corrigir: no que respeita os fajardos Saraiva e Lopes o senhor Mário Montez leu apressadamente, ou cegou, pelo que aconselho que repita a leitura.




domingo, abril 21

Luz da manhã

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