terça-feira, fevereiro 12

Será sempre de manhã?



Será sempre de manhã?


Uma pressa, um pequeno descuido, às vezes um aborrecimento, é quanto basta para nos pormos a generalizar. Nesse erro caio eu com alguma frequência, pelo simples motivo de que o raciocínio pede mais tempo do que a emoção, antes de  dar conta oiço-me a fazer afirmações que, analisadas com calma, são sem pés nem cabeça.
Não sou caso único, nem daí vem mal ao mundo, pode-se mesmo acrescentar a atenuante de que em geral, nas ocasiões em que uma conversa termina em discussão, é grande a probabilidade de que para impor um argumento ou provar o bem fundado do seu ponto de vista, um dos presentes não hesite em generalizar.
O que atrás exponho é o preparativo para uma generalização que me sinto tentado a fazer: a de que os homens que resolvem divorciar-se, de preferência escolhem a manhã para porem a esposa ao corrente da sua decisão.
Para isso baseio-me na singularidade de que nos últimos meses três conhecidos meus desse modo actuaram, quase justificando que eu corra o risco de  generalizar, e suponha ser essa a regra.
Ao contrário do que esperava foram as ex-esposas que me deram a notícia, mas não ponho em dúvida que assim tenha acontecido.
Tal como os ex-maridos rondam elas os cinquenta, ao relatar o que se passou fazem-no com o ar de incredulidade de quem viveu um mau sonho e, se pudesse acordar dele, veria realizado o milagre da passada harmonia.
Dos três, o primeiro foi o mais brutal. Estavam ambos na cozinha a tomar o pequeno-almoço e, sabendo que gostava, ela pôs-lhe no prato os ovos que acabara de estrelar. Conta que o viu meter a côdea de pão na gema, levá-la a boca, e dizer calmamente: - Vou-te deixar. Volto para a África.
Bebeu o resto do café, e nem um aceno de despedida fez.
Passado tempo viria a saber que ele, no Senegal, tinha casa, três mulheres e filhos adolescentes.
Contra o seu hábito, o segundo saiu do quarto de banho já vestido. De costas voltadas sentou-se na cama a apertar os cordões dos sapatos, e numa voz que parecia sair de um poço anunciou: - O advogado vai-te telefonar. Pedi o divórcio – e sem mais caminhou para a porta.
O terceiro foi também na cozinha. Viu-o beber o sumo, enquanto remexia nos bolsos à procura da chave do carro. Como de costume abraçou-a, beijou-lhe a face, e de repente: - Amanhã vêm buscar as minhas coisas. Vou-me  embora.
Para todas continua a ser um trauma de que não conseguem recuperar. Dizem que se fosse a outra hora talvez pudessem discutir, conciliar, compreender. Agora assim de súbito, e logo de manhã…