Segredos todos temos
Riem-se dele, chamam-lhe bota-de-elástico, acham que neste
tempo de computadores, telemóveis, sabe Deus que mais, ninguém, mas mesmo
ninguém tem agenda. Comprar uma pode ser questão de hábito ou o saudosismo de
quem chegou a certa idade, e isso os amigos do senhor Casimiro compreenderiam. O
que lhes causa espécie e a alguns irrita, é a fidelidade com que ele a usa, registando
pontualmente os acontecimentos mais variados. Não só mortes, aniversários, casamentos,
vitórias do FCP e outros assuntos, mas
também certos casos, embora assente esses numa escrita misteriosa.
Uns gozam com aquele secretismo, outros acham-no tolo, dois
ou três tentaram decifrar os misteriosos símbolos, mas desistiram. Uma vez o
Guedes pediu-lhe para o deixar fotografar uma página com o telemóvel e foi
mostrá-la ao Dimitri da garagem, a ver se ele compreendia, mas o rapaz disse
que aquilo não era búlgaro, nem ucraniano, nem língua nenhuma, devia ser um
código.
Os outros encolheram os ombros, mas o Guedes, lembrado das
histórias que o avô lhe contava do tempo da guerra, quando Lisboa era um ninho
de espiões, desconfiou que talvez a coisa não fosse tão simples como parecia. E
como também tinha lido que a Autoridade
Tributária usa certos métodos para descobrir o verdadeiro rendimento de cada um,
nasceu nele a suspeita de que o senhor Casimiro talvez não fosse apenas o
simpático e prestimoso reformado que julgavam ser, mas uma pessoa de vida
clandestina.
Com tempo de sobra desde que a CP lhe deu a invalidez,
primeiro perguntou aqui e ali, de maneira discreta, mas nunca conseguiu mais do
que o que todos sabiam: o senhor Casimiro tinha sido porteiro num hotel em Coimbra,
enviuvara cedo, vivia sozinho, a filha estava no Canadá, aos domingos à tarde,
no café, pedia sempre uma água natural, uma meia de leite e um jesuíta.
Uma tarde viu-o no Pingo Doce, à conversa com um sujeito alto,
de aspecto militar, que segurava na mão uma gaiola vazia, e pelos jeitos
discordavam de qualquer coisa, porque às tantas o da gaiola fez um gesto irritado,
abanou a cabeça como quem diz não e foi-se embora.
Dias depois entrou no café uma sujeita bem vestida, que logo
se via não ser do bairro, porque parou a olhar, foi direita ao senhor Casimiro,
e como se fosse muda entregou-lhe um envelope grosso e saiu apressada.
O Guedes não sabe o que há-de fazer, mas cheira-lhe a
esturro. Telefonar à Judiciária? Será melhor uma carta com letras do jornal.
Que investiguem o velhote e o que ele escreve na agenda.