terça-feira, fevereiro 12

Os cordelinhos do Demo





Os cordelinhos do Demo


Há alturas em que involuntariamente nos perguntamos se fazemos aquilo em plena consciência, ou se não será o Diabo que puxa os cordelinhos e nos empurra. Principalmente no caso de tentações, o ramo em que desde o princípio do mundo ele se torna cada vez melhor especialista.
Todavia há quem não lhe fique atrás. A Leonor, trinta e um anos, morena de espectacular presença,  engenheira na “Vias e Arruamentos”, em casos de tentação há muito deu prova de que pode pedir meças a Belzebu, e de facto, ao contar o caso o seu lindo sorriso aproxima-se do diabólico.

O “Passa-Culpas”, alcunha que tem na Câmara, havia semanas que andava a planear, que iria ser desta maneira, daquela, pondo as flores, tirando as flores, dando um jeito para que a fotografia do casamento não ficasse de frente, até ter a certeza de que de que estava tudo preparado de maneira a que a coisa corresse a preceito. Impaciente, receoso que faltasse, tinha-lhe telefonado umas quantas vezes a confirmar, e agora estava combinado: seria sexta à noite, quando a Margarida tinha formação e o pequenito ficava com a avó.

Ao mesmo tempo que lhe beijava a face, Leonor não pôde deixar de sorrir com a transparência da estratégia. Diminuíra as luzes, sobre a mesa arranjara os pratinhos de amêndoas, a garrafa de “Cutty Sark”, copos de cristal, os sofás frente a frente.
Sorriu também de vê-lo de calções, t-shirt, nos pés umas sapatilhas amarelas, curioso traje para um D. Juan. Ele cumprimentou-a pela elegância e, brincalhão, arregalou os olhos para o decote, seguiu a tira de ventre nu, parou-os na minissaia, disse que achava os brincos muito bonitos, e o colar também, bonito mesmo.
Beberam. Falaram dos colegas, da estrada nova, das dificuldades com o presidente, das obras do saneamento. Falaram de música. Falaram de cinema. Entusiasmou-se ele, jurando que cineasta nenhum igualava Woody Allen. Se bem que Paul Verhoeven… A Leonor de certeza tinha visto ”Instinto Selvagem”. Espantoso. Certos filmes eram impressionantes, mas no “Instinto Selvagem” havia cenas em que uma pessoa se dava conta…
Jura ela que foi sem maldade, ao cruzar as pernas demorou talvez dois segundos em vez de um, e viu então o “Passa-Culpas” agarrar a “ferramenta”, o queixo a tremer, bebendo de um trago o resto do uísque.
Pôs-se em pé, afogueado, estacou ao ver a porta abrir-se e Margarida toda sorrisos, a explicar que a formação acabara cedo por causa do calor, mas nem teria ido se soubesse que a senhora engenheira os vinha visitar.