Quando em 1967 foi eleito presidente do Brasil,
corriam vários ditos e anedotas sobre o General Artur da Costa e Silva, atribuindo-lhe
quase sempre pensamentos simplistas e manhas de provinciano. Contava-se então
que numa entrevista lhe escorregara a língua para a verdade, confessando que
ele, simples militar do Rio Grande do Sul, agora que chegara à presidência “ia
comer todas as grã-finas do Rio de Janeiro”.
É improvável que o general tenha lido os romances em que
Balzac nos dá a biografia de Eugénio de Rastignac, um verdadeiro guia para o provinciano
ambicioso.
Rastignac, um zé-ninguém, chega a Paris, arranja uma
amante da alta sociedade, mulher dum banqueiro. Trafica, mente, rouba, elimina
quem se lhe mete à frente, bajula os que lhe podem ser úteis, sobe na alta
sociedade com velocidade de cometa. Associa-se ao cornudo, especialista em
fraudes, com ele aprende, e em menos de um ai amontoa uma fortuna. Ministro por
duas vezes, o rei eleva-o à nobreza, fazendo-o conde e par do reino.
Finalmente, ao casar com a filha da sua amante e do seu sócio, torna-se um dos
homens mais ricos de França.
Desde há tempos, somos muitos os que ficamos de boca
aberta ao ler os jornais ou ao ouvir as notícias, mas só um ou outro recordará
o personagem de Balzac.
O José, que tanto recebeu dos deuses: inteligência,
charme, presença, dinâmica, decepcionou-os ao mostrar-se incompetente na
escrita do guião. Casou e divorciou-se burguêsmente, e quando eles esperavam vê-lo em Lisboa tal um
Costa e Silva, “comendo as grã-finas”, ficou-se pela Fernanda e mais umas
quantas da mesma igualha, caindo depois ao nível de um qualquer empreiteiro,
“contratando prostitutas de luxo.”
O personagem de Balzac desunhou-se e humilhou-se até
chegar ao banqueiro, mas para José os deuses aplanaram o caminho, invertendo a
ordem das coisas, mandando que fosse o banqueiro a procurá-lo. E que fez o
inocente, com o baralho inteiro na mão e podendo dar cartas? Deixou-se tentar
pela falácia de uns poucos milhões quando, fosse ele bom jogador, estaria agora
nas Seychelles a gozar em pleno uma vida de luxo, e o apontaríamos como exemplo
à juventude.
A mim, francamente dá-me pena pela situação em que se
manobrou, e por não ter compreendido como o deuses o acarinharam, esperando que
seguisse o caminho que lhe tinham apontado, em vez da arrogância de escrever o
seu próprio cenário. Dá-me pena, também, que não haja por aí um Balzac com talento bastante para lhe romancear a biografia.