terça-feira, fevereiro 12

O presidente, o José e a Fernanda


Quando em 1967 foi eleito presidente do Brasil, corriam vários ditos e anedotas sobre o General Artur da Costa e Silva, atribuindo-lhe quase sempre pensamentos simplistas e manhas de provinciano. Contava-se então que numa entrevista lhe escorregara a língua para a verdade, confessando que ele, simples militar do Rio Grande do Sul, agora que chegara à presidência “ia comer todas as grã-finas do Rio de Janeiro”.
É improvável que o general tenha lido os romances em que Balzac nos dá a biografia de Eugénio de Rastignac, um verdadeiro guia para o provinciano ambicioso.
Rastignac, um zé-ninguém, chega a Paris, arranja uma amante da alta sociedade, mulher dum banqueiro. Trafica, mente, rouba, elimina quem se lhe mete à frente, bajula os que lhe podem ser úteis, sobe na alta sociedade com velocidade de cometa. Associa-se ao cornudo, especialista em fraudes, com ele aprende, e em menos de um ai amontoa uma fortuna. Ministro por duas vezes, o rei eleva-o à nobreza, fazendo-o conde e par do reino. Finalmente, ao casar com a filha da sua amante e do seu sócio, torna-se um dos homens mais ricos de França.

Desde há tempos, somos muitos os que ficamos de boca aberta ao ler os jornais ou ao ouvir as notícias, mas só um ou outro recordará o personagem de Balzac.
O José, que tanto recebeu dos deuses: inteligência, charme, presença, dinâmica, decepcionou-os ao mostrar-se incompetente na escrita do guião. Casou e divorciou-se burguêsmente,  e quando eles esperavam vê-lo em Lisboa tal um Costa e Silva, “comendo as grã-finas”, ficou-se pela Fernanda e mais umas quantas da mesma igualha, caindo depois ao nível de um qualquer empreiteiro, “contratando prostitutas de luxo.”
O personagem de Balzac desunhou-se e humilhou-se até chegar ao banqueiro, mas para José os deuses aplanaram o caminho, invertendo a ordem das coisas, mandando que fosse o banqueiro a procurá-lo. E que fez o inocente, com o baralho inteiro na mão e podendo dar cartas? Deixou-se tentar pela falácia de uns poucos milhões quando, fosse ele bom jogador, estaria agora nas Seychelles a gozar em pleno uma vida de luxo, e o apontaríamos como exemplo à  juventude.
A mim, francamente dá-me pena pela situação em que se manobrou, e por não ter compreendido como o deuses o acarinharam, esperando que seguisse o caminho que lhe tinham apontado, em vez da arrogância de escrever o seu próprio cenário. Dá-me pena, também, que não haja por aí um Balzac com  talento bastante para lhe romancear a biografia.