No meu tempo
Mesmo mal entrados nos cinquenta
são muitos os que não resistem a garantir terem vivido num tempo em que quase
tudo era melhor ou mais em conta, mais agradável, seguro e eficiente. Desde a
certeza das amizades ao preço da cerveja, das estadias no Algarve ao sabor dos
rojões do Minho e à qualidade do areal na praia de Moledo, para eles a
actualidade não sofre comparação com o mítico antigamente, ao qual se referem
com os trejeitos e o modo desolado que usa quem recorda a morte de um parente
querido.
Chegados aos sessenta ou setenta
o seu comportamento mostra uma subtil mudança, pois embora continuem a exagerar
as virtudes e qualidades do passado, adoptam o que lhes parece ser a atitude de
sabedoria que supostamente aumenta com os anos: encolhem os ombros, como se o
interlocutor não possa ter experiência suficiente ou conhecimento bastante para
compreender o passado.
É esse o caso do Zé Oliveira,
meu camarada há uma vida e bom exemplar do comportamento saudosista. No seu
parecer não há volta a dar-lhe: com os mais novos não adianta discutir nem
explicar, porque nem eles entendem nem passaram pelo mesmo, mas eu terei de lhe
dar razão. É ou não é verdade que no nosso tempo, quando não se usavam tantos
químicos, a comida tinha outro sabor? É
ou não é verdade que no nosso tempo havia mais educação e mais respeito? É ou
não é verdade … À medida que vai desfiando exemplos conta pelos dedos, e
finalmente, porque não lhe sobram dedos para a contagem, levanta os braços ao
céu a sublinhar o seu desalento.
Numa ou noutra ocasião faço coro
e aceno que sim com a cabeça, pelo menos o bastante para que ele ganhe a
certeza de que concordo e estou do seu lado. Mas na verdade entra aí alguma
hipocrisia, pois a minha solidariedade é fingida, só por camaradagem alinho com
os seus louvores ao passado.
Não procedo assim por vontade de
remar contra a maré, por teimosia em negar a evidência das coisas boas que
desapareceram ou não lamente o valor das virtudes antigas, mas por uma razão
bem mais prosaica: o receio de que, mantendo-me em demasia agarrado ao
antigamente, me torne cego para os benefícios do presente ou pior ainda, que o
presente me assuste.
Esse medo não se deseja a
ninguém, pois não somente envenena o dia-a-dia e retira a alegria de viver, mas
assemelha-se muito a uma forma de despedida ou a um suicídio que se vai
adiando.
O existir não pede apenas
coragem e equilíbrio, mas também algum desapego, porque a nenhum de nós cabe melhorar
o mundo ou parar o tempo.