terça-feira, julho 30

Bilhetes (58)


De Lombroso é melhor não falar. O homem está morto e enterrado, as suas teorias idem. O que não impede que cada vez que vejo certo político, me tome um desagradável sentimento de nojo, e me pergunte se de facto aquilo é genético e o que vai na alma se espelha em certas caras.

A esse propósito, sobretudo a respeito de figuras públicas, é muito do meu agrado a parte da descrição que Fialho de Almeida faz em Os Gatos do funeral do rei D. Luís:

“No cortejo há uma mistura de porco e cão de fila, de malandro e de títere, em muitas daquelas faces de primeiros oficiais de secretaria, de governadores civis, de tenentes-coronéis, de generais, de bispos, de deputados, de conselheiros de Estado e de ministros. Por sobre as golas das fardas, dos colarinhos altos de cerimónia, as papadas oleosas dizem nutrições prevaricadas, apoplexias de bílis odienta, intrigas rábidas, cobiças, e satiríases secretas de amor e de vinho a horas perigosas (...). É surpreendê-los por fim quando a máscara lhes tomba, e por detrás do cortesão surge o carnívoro, tigre ou hiena que do seu antro segue o fio dum plano tenebroso, sindicato ou emboscada política, venda de pena, ou venda de palavra (...).”


segunda-feira, julho 29

Bilhetes (57)


Que ninguém se ofenda, zangue, ou suponha intenções que não tenho, pois apenas quero acompanhar o tempo em que vivo, o que para um sujeito da minha idade não é fácil.
Leio por vezes frases que me desnorteiam, como é o caso desta apanhada dias atrás no Observador: “o jornalista é marido do deputado federal…”
Aqui entra então a minha ignorância, o meu atraso, a dificuldade em compreender, a única certeza em que fico é a do desnorte.
Qual será nesta acepção o significado de marido? Como é nomeado o outro membro do casal? Serão ambos maridos? Ainda não vi, mas no caso atrás citado poderia dizer-se: o deputado federal é a esposa do jornalista? Seria isso ofensivo ou contrário a regras que desconheço?
Estranho tempo este, em que vou atrasado e sem esperança de recuperar o atraso

sábado, julho 27

A queixa ao PÃO


Fácil seria nomear o lugar, as pessoas e o acontecido, mas cair na asneira de o fazer abertamente neste tempo a que chamam civilizado, traria daquelas consequências que ficam para a história e mais tarde se contam num tom em que entram à mistura a descrença, o humor, a irritação e a dificuldade de compreender.
Chamemos-lhe então Bernardina. As boas almas ouvem-na e perdoam-lhe, mas as outras e as que pela primeira vez a aturam, têm dificuldade em manter a calma, só aguentam fazendo ouvidos de mercador e continuando a sorrir.
Umas vezes à maneira de intróito, noutras talvez supondo que assim dá força à sua argumentação, quase sempre começa por anunciar que infelizmente é viúva, mas o defunto esteve trinta e um anos na Polícia, por isso não lhe venham com tretas, pois é capaz de saber mais de leis do que muito doutor que por aí anda.
O que desta vez a leva a mencionar os seus conhecimentos jurídicos tem a ver com duas dinamarquesas que há coisa de ano e meio apareceram na aldeia, compraram a casa do falecido Ventoinhas, o quintal, acrescentaram-lhe um bocado do terreno do Culatra, fizeram um muro à volta e têm aquilo cheio de bicharada.
- Cães ou gatos ninguém se ia queixar, há muito quem os tenha. Que só arranhem a nossa língua, nada contra. E que sejam das tais, tanto se me dá como se me deu, cada qual come do que gosta. Agora os bichos que lá têm, só vendo, e alguns nem sei o que são! Mas pronto, até isso ainda seria o menos. O fedor é que não se aguenta! Mesmo sem vento, basta uma aragem e parece que estão a abrir uma fossa.
Do outro lado da rua também se queixam, mas eu e a Zeferina é que apanhamos em cheio e ninguém resolve isto. Vem o regedor, vem a GNR, vêm os da Câmara, andam dum lado para o outro com o nariz no ar, e que sim, de facto, mas irem bater à porta das camones é que não vão, porque pelos jeitos têm as licenças todas.
Foi aí que eu disse à Zeferina que se era assim tratávamos nós do assunto, íamo-nos queixar ao PÃO.
- Ao PÃO?
- Sim, esse partido novo, dos bichos e outras coisas.
- O PAN.
- Ai, é assim que se diz? Olhe que não sabia. Pois foi a esses que escrevemos, porque se são contra as beatas no chão e a porrada nos cães, também hão-de ser contra a porcaria e outras coisas. Não acha?

Encontro-a uma manhã a escolher fanecas no Pingo Doce e não preciso de perguntar:
- Nem pio! Mas olhe que já esperava, porque tão bons são esses como os outros. Da direita, da esquerda, de cima ou de baixo, todos iguais, o que eles querem é a manjedoura.