terça-feira, fevereiro 12

Bolsa farta e barriga cheia


Bolsa farta e barriga cheia

No discurso de 5 de Outubro o Presidente da República afirmava que somos
“uma Democracia assente em antiga e sólida Unidade Nacional”, palavras que Vítor Matos, no Observador, interpretou como significando: “toda a gente sabe que Portugal é um Estado Nação, sem separatismos. É uma forma de o Presidente sublinhar que não temos os problemas que se estão a viver em Espanha e na Catalunha.”
Por razões várias, as palavras do Presidente e a interpretação do jornalista confirmam uma velha ideia minha, a de que Lisboa é um enclave, povoado por gente que tem uma vaga ideia do país a que pertence. Daí o sonho que há muito acalento, de uma bela manhã  acordar com a notícia de Portugal se ter declarado independente de Lisboa.
Como é de prever, numa primeira fase haveria agitação e susto, depois um simulacro de negociações em que o país, por ser mais sensato, levaria a melhor, mudando então a capital para Braga, Guimarães, ou São João da Madeira, lugares onde se trabalha e produz. A Lisboa restaria a dor de cabeça de ter de ganhar o seu sustento, em vez de, tal um cavalheiro de indústria, continuar a viver à grande e à francesa à custa de traficâncias e contos do vigário.
A fantasia tem destas coisas, mas a capital, os senhores que nela mandam, as suas clientelas e nuvens de parasitas, bem poderiam atentar no velho rifão de que “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”. Porque se a vida folgada da soberba Lisboa dura há séculos, e se lhe tornou hábito ter bolsa farta e barriga cheia, nada garante que não chegue o dia em que Portugal, o manso e carinhoso país, cansado da máfia e da Nápoles que Lisboa é, junte forças, levante muros que a isolem, e a deixe entregue ao seu destino. E o seu destino profetizou-o Eça de Queirós, escrevendo que “Paris, Londres, Nova Iorque, Berlim, suam e trabalham. Lisboa ressona ao sol…”

Como pode acontecer que o leitor desabusado encolha os ombros, tomando o que atrás fica por divagações de literato, deito mão de um texto de António Fidalgo, Reitor da UBI, que no Observador do passado dia 20 afirmava: “Como é que Portugal poderia recorrer aos fundos de coesão comunitários se não tivesse os pobres de ofício? Lisboa não é zona de convergência, mas acaba de receber, efectivamente, mais dinheiro de fundos comunitários que qualquer zona do Interior. Depois de dezenas de anos a receber fundos de coesão europeus, temos cada vez mais um país de risca a três quartos. Iniquidade é o que é. Chamem-se os bois pelos nomes.”