terça-feira, fevereiro 12

Pôr-do-sol em Santorini



Pôr-do-sol em Santorini
No começo do ano são aquelas conversas sobre as férias, para onde se irá, para onde se gostaria de ir se o dinheiro sobrasse, que loucuras se não fariam tendo a sorte de ganhar o Euromilhões. No mínimo uma volta ao mundo e tudo de primeira.
Agora que os veraneantes começam a regressar ouve-se a mistura habitual de entusiasmos e decepções, as eternas demoras nos aeroportos, as má surpresas nos restaurantes, os enganos, as mentiras dos folhetos. O Miguel foi duas semanas para Antalya, certo  de que com a desvalorização da lira ia ser pelo preço da chuva, mas voltou de lá escaldado, porque como se nada tivesse acontecido, os turcos mantêm os preços em euros.
Para o Chico Gouveia e a Aninhas era o sonho de visitarem a Grécia, e depois de meses a procurar na internet ainda hesitavam entre Atenas, Creta ou Mykonos, para num impulso romântico decidirem por Santorini. Voltaram a semana passada e o Chico é categórico: - Não foi mau, mas palavra, nunca mais!
Conta ele que nas ruas estreitas já é difícil andar, mas quando se aproxima a hora do famoso pôr-do-sol, em que o casario branco se torna  primeiro amarelo, depois azul, e finalmente vermelho, vieram-lhe à lembrança aquelas fotografias dos comboios no Bangladesh com montes de gente nos tejadilhos das carruagens.
- As pessoas queixam-se da Baixa, mas não se compara.
O Zé Cerqueira ouvia calado, abanando a cabeça e de lábios franzidos, naquele jeito que tem de mostrar que arranja sempre maneira de ser do contra. Dessa vez, porém, reservava uma surpresa. Ir tão longe para admirar um pôr-do-sol, pura estupidez e dinheiro mal gasto, quando havia melhor no Cabo de São Vicente.
Como se fôssemos miúdos da escola onde ensina, contou-nos então que os Romanos lhe chamavam Promontorium Sacrum, depois de lá terem construído um templo dedicado ao deus Hércules, e ser um lugar mágico, onde o Sol no poente  parecia cem vezes maior que noutros sítios, e ouvia-se o  formidável ruído que fazia ao entrar no Oceano. O geógrafo árabe Al-Idrisi  escreveu que no seu tempo, no séc. XII, os cristãos tinham ali uma igreja onde guardavam as relíquias de São Vicente, que depois seriam levadas para Lisboa num navio miraculosamente guiado por dois corvos. E era contando os gritos dos corvos, que constantemente sobrevoavam a igreja, que os frades sabiam quantos peregrinos vinham a caminho, e assim aprontavam para todos uma boa refeição.
O Cerqueira deixou-nos de boca aberta, porque é das matemáticas e diz que nunca lê um livro.