De que lado sopra o vento?
Sabem-no muitos, sei-o eu também por experiência
própria e nem sempre agradável, que nisto da escrita o mais cómodo é criar
personagens, deixar com eles a responsabilidade das opiniões, das diferenças e
dos princípios, de maneira a que seja nos seus ficcionados lombos que caiam as pancadas,
recebam eles os insultos, e o autor continue imune, em sossego no seu canto, a
salvo dos bandos que, politica e socialmente correctos, moralmente justos, climaticamente
empenhados, detêm o monopólio das várias purezas e sonham com ‘campos de
reeducação’ para os que ainda comem hambúrgueres, se mostram indiferentes a que
os polos derretam e as fábricas despejem mais dióxido de carbono.
Os bem-pensantes, que tudo julgam a partir das suas
zonas de conforto, condenarão semelhante
procedimento como uma abjecta cobardia, o que se lhes desculpa. Da minha parte,
chegando a esse ponto, mostraria senso comum e um mais apurado sentido da
realidade se inventasse então um qualquer Zé Maria, pondo-lhe na boca e dizendo
que nasciam no seu cérebro as raivas, as amarguras, as desilusões e mágoas que
tantas vezes atormentam o meu dia-a-dia.
Infelizmente, nada na vida é simples, como também é
pouco o que podemos prever, o que conseguimos evitar e, para mal nosso, menos
ainda aquilo para que encontramos remédio. Do mesmo modo não é para qualquer saber
escapar por entre os pingos da chuva.
Jovens ainda, carecidos de experiência, acreditam
muitos que os anos trazem sabedoria, discernimento,
paz e equilíbrio. Assim fosse, assim não é. A muita idade e as
várias andanças, incluindo nestas últimas um ou outro momento de euforia, os
pontapés do Destino, os dos semelhantes, e os trambolhões que por descuido ou
tolice se dão, pouco ajudam a compreender da vida. No melhor poderão impedir
que se repita um ou outro transtorno, mas a vida, feliz ou infelizmente, é
caminho para o qual não há bússola nem mapa.
Vamos andando, paramos aqui e
ali, derrapamos nas curvas, caímos na valeta, fazemos o possível por ir
direitos e a direito. Depois, cansaço ou susto de ver a meta perto, abrandamos
o passo, criando nos que ainda vêm longe a ilusão de que conseguimos chegar até
ali por sabedoria e esperteza.
Na verdade, porém, não
escolhemos a rota, nem sequer vamos pelo próprio pé: somos empurrados. A uns
leva-nos a aragem, a outros o ciclone, a muitos falta a força para içar as
velas e, desatinados, enfrentam a tempestade.
Saber da vida? Nem sequer
sabemos donde vem o vento ou quem o sopra.