A triste igualdade
Em conversa, outras vezes quando
numa discussão alguém se vê com falta de argumentos para defender o seu ponto
de vista, ou se é pessoa que por tudo e nada invoca a divindade, lá se ouve
então que perante Deus somos todos iguais. Há também os que, menos dados ao divino,
preferem invocar a Lei, assegurando que
ela não faz distinção entre fracos ou fortes, ricos ou pelintras, génios ou
atolambados.
Do que se passa no Céu das
várias religiões teremos ideia quando nos chegar a hora da última viagem, mas
olhando para o mundo em volta é preciso uma boa dose de optimismo, ingenuidade,
ou plebeiamente ter muita lata, para sem corar dizer que somos todos iguais. E
se V. que me está a ler acredita que assim é, pare um instante, meta a mão na
consciência.
No que me cabe estou mais que
certo que o não somos, como também não nascemos no mesmo berço, nem nos criamos
todos a comer na mesma manjedoura ou bebendo água de uma só nascente. Isso
bastaria, mas há ainda as infinitas diferenças da cabecinha, do bater do
coração, dos cheiros, dos modos, da pobreza ou riqueza do falar, das misteriosas
vibrações, da força dos apertos de mão, todo um arsenal que em permanência alerta
que é arriscado acreditar nos Profetas da Bíblia ou no Marx de O Capital.
Este género de elucubrações –
como diria o Hirondino Manga, que Deus tenha -
raro me ocupa, mas assim de repente veio-me à memória como na semana
passada, no restaurante, um ferrabrás decidiu perturbar o sossego do meu
almoço.
Todo sorrisos, bafejando tabaco
e aguardente, quis ele certificar-se que eu era quem ele pensava, informou-se depois
cortesmente do meu bem-estar, entrando a discorrer que só fizera a quarta classe de antigamente, o que de maneira alguma era um
impedimento, como eu talvez pensasse. Ficasse ciente que tinha corrido muito
mundo, tratado com gente de importância, e visto o de que só poucos faziam ideia. Fora isso tinha mais que
o entendimento preciso para acompanhar tudo o que acontece cá, no estrangeiro,
na política e no mundo.
Acenei que sim, baixou ele os óculos de sol que trazia à moderna na
cabeleira, e ia tocar-me com o dedo, mas parou ao reparar na expressão do meu
rosto. Perguntou então se eu sabia que somos todos iguais, mas lá por ter
escrito dois ou três livros não fosse julgar que estava acima dos outros, ou
que tinha direito…
O compincha aproximou-se, a perguntar-lhe se ia ou ficava, e ele acenou um
adeus, virou as costas, deixando-me com a melancólica certeza da nossa
desigualdade.