terça-feira, junho 30

Tratos de polé


"Tout passe,  tout casse, tout lasse" – assim é e há muito perdi a conta das vezes que, cansado do absurdo do meu semelhante, me tenho visto a repetir que é triste mas verdade: tudo passa, tudo fica em frangalhos, tudo acaba por enfastiar. Até o medo. Que das polémicas, das virtudes, dos "princípios", certezas, simpatias e boas intenções nem quero falar, pois são agora  tantas e todas tão puras que assusta a perspectiva do dia em que as hostes de virtuosos saírem à procura dos que não vêem, não compreendem ou recusam aceitar que finalmente está próxima a hora mil vezes prometida de liberdade, igualdade, fraternidade. Aumentada agora com liberdades, igualdades, fraternidades que ontem seriam tomadas por utópicas. E como isto está a acontecer do dia para a noite, Deus te acuda se discordas, recusas, ou mostras enfastiado. E lá porque é filme que já viste umas quantas vezes, não esperes compreensão nem condescendência pois não é essa a moda, antes te prepares para a versão refinada dos tratos de polé, que se os da Inquisição te quebrariam os ossos, estes do Facebook, Twitter e Instagram deixam-tos inteiros, mas pouco se aproveita do que de ti depois fica.
Conselhos para te dar não tenho, farás como te parecer bem, mas talvez te conforte saber que  a História se repete e depois de cada abalo tudo se vai recompondo. Pena é que nem todos tenhamos a sorte de viver no período em que as costas folgam enquanto o pau vai e vem.

segunda-feira, junho 29

Maria Antonieta não aprende


Interessante coincidência ir a meio da extraordinária “reportagem” da Revolução Francesa que Hilary Mandel faz em A Place of Greater Safety, ler aqui e ali reacções das “elites” à situação decorrente da pandemia e a sua esperança de que, com o povinho assustado e paralisado, este se domestique, deixe de exigir uma existência decente e barriga cheia, aprenda de vez que o seu lugar é na base, isso de direitos são tretas. Quem nasceu para servir deve ter presente que nem sequer é questão de cada macaco em seu galho, tome o Zé Ninguém consciência de que nem ao status de macaco pode aspirar, mas sentir-se realizado numa sociedade de senhores a quem possa servir, obedecer, respeitar, admirar, e para si e para os seus não ambicione mais que pão para a boca e um lugar onde se abrigue.
Para tristes pensamentos e profecia do que nos espera o livro de Hilary Mandel bastava, mas a leitura deste texto de José Carlos Fernandes no Observador veio mostrar-me que as Marias Antonietas do nosso tempo nada aprenderam, continuam a recomendar aos que não têm pão que sempre podem comer brioches.