terça-feira, fevereiro 12

Aqui mando eu



“Aqui mando eu”

­­­­­­O que os levou ao casamento talvez eles próprios ignorem, mas para a família, os amigos, mesmo para quem só vagamente os conhecia, o prognóstico foi idêntico: aquilo não ia dar certo, as diferenças eram muitas, a perspectiva do divórcio era o que todos aguardavam.
Mas como o gozo maior do Destino é trocar as voltas das nossas previsões, o matrimónio vai em seis anos e, ao que parece, em relativa paz, pois não há rasto de desavenças, nem o seu comportamento em público dá lugar a suspeitas.
Verdade é que eu próprio também fui dos pessimistas, por não compreender bem como é que aquela mulher, bonita, serena, culta, elegante no seu metro e setenta, condizia com um marido que, além de só lhe chegar aos ombros,
todo ele parecia ressudar mau humor, desagrado, insatisfação e, mesmo quando sorria, arreganhava os dentes num modo de desdém.
Lá de longe a longe, mas à boca pequena, ouvia-se dizer que a razão de tanta  harmonia era ser ela das que gostam de “apanhar”, um jurava ter visto o que lhe parecera uma bofetada, outro falava de beliscões e que a vira em lágrimas.
Deve ter passado quase meio ano desde que os tinha visto pela última vez, quando antes da Páscoa um amigo comum nos convidou  para o recital de estreia da sua filha mais nova, cantora de grande talento.
Ao dar com eles à porta do teatro, poderia ter dito sem exagero que me caiu o coração aos pés, e tenho a impressão que não consegui esconder o que sentia, pois o modo como me cumprimentaram não foi de amizade, antes de uma indiferença a roçar o antagonismo.
Apertos de mão frouxos, as palavras amáveis um artifício, voltaram as costas deixando-me ali, não direi de boca aberta, mas com a impressão de desequilíbrio que se tem ao receber um grande choque. É que em ambos se dera uma mudança tão radical que custava a acreditar que fossem as mesmas pessoas.
Com respeito a ele, escaveirado, murcho, na cabeça umas farripas brancas, pernas magras e cambadas, a roupa frouxa a cobrir-lhe o esqueleto, se me tivesse dado oportunidade havia de lhe perguntar se tinha estado doente. Ela, por sua vez, parecia ter desabrochado: altiva, toda energia, até no modo de agarrar o marido pelo ombro se via quem dava ordens.
Informei-me, curioso de descobrir a razão daquela extraordinária mudança, mas embora todos especulassem continuava um mistério, até que o Quim Guedes sugeriu uma explicação: - São essas merdices do #Me Too. Quando a Dina também se pôs a arrebitar avisei-a  logo: Portugal não é a América, aqui mando eu.