A força do onze
O Eduardo diz que não aguenta,
que ainda estoura, até está com medo que lhe dê uma coisa, porque desde que há
trinta e sete anos deita as cartas nunca isto lhe aconteceu nem viu coisa assim,
nunca sentiu tanta certeza, mas mesmo tanta que até as mãos lhe tremem quando
pega no baralho.
- E então? – pergunto eu, que o
conheço há uma vida e gosto do entusiasmo com que ele estuda o oculto e anuncia
o que vai acontecer. Previra meses antes dos incêndios do ano passado, adivinhou a eleição
de Trump, diz que a senhora Merkel se demitirá por doença em Novembro ou
Dezembro. Foi ele também que avisou o senhor Horácio que não devia ir a
Badajoz, e todos sabemos o que lhe aconteceu
- E então? – insisto, mas ele
nem me olha, recomeçou a espalhar as cartas do Tarot, agita-se à procura de
papel, rabisca uns algarismos.
- Está a ver isto? Ora vamos agora
somar os números do ano. Dois, zero, um, oito. Quanto dá?
- Onze – respondo, fingindo a
seriedade que o momento e o seu entusiasmo pedem.
- Agora uma perguntinha fácil: sabe
o que é o onze? Diga lá, o que é onze no Tarot? -
-Não faço ideia.
- O arcano onze é a Força! É exactamente
isso o que vi quando estive a fazer os meus cálculos e os juntei aos cálculos
do que aconteceu nos últimos dias. Repito: a Força é imparável. Não é por acaso
que é representada por uma mulher a abrir
as goelas de um leão. E tome nota, porque isto é importante, não pode
haver a mínima dúvida: ele vai voltar!
- Mas ele quem, Eduardo?
- O Sócrates! Está no Tarot! Está
nas conjunções dos astros! Tudo isso que lhe fizeram, as acusações, as
traições, a prisão em Évora, tudo isso se vai virar contra os bandalhos, porque
vão pagar caro. Mais que dobrado. Então é que vai ser lindo, todos esses Costas
e Galambas e Câncias com o rabo entre as pernas. Não fica um para amostra, que
ele deixa-os em fanicos. Ou pior, porque sei, porque sempre disse: o Sócrates
não perdoa. E não é só por ele próprio dizer que é um “animal feroz”, mas por ser a sua natureza, o
seu destino. E está nos astros.
Quem como eu é de paz e
harmonia, não contradiz o Eduardo. Porque o Eduardo, a mansidão e a cortesia personificadas,
infelizmente é também homem de certezas, opiniões definitivas e conhecedor dos
mistérios astrais. Pobre do que gracejar quando ele, fazendo a listagem das estradas,
autoestradas, pontes e viaductos, diz que Sócrates é o Marquês de Pombal do
século XXI. Quem, antes dele, teve tomates para fazer o túnel do Marão?
- Vem aí um terramoto. Acredite
que vem.