O medo dos
enterros
Talvez porque não me pudessem
deixar sozinho em casa, eu teria então cinco ou seis anos, ou para me iniciarem
no ritual, o meu primeiro enterro foi o da Joaquina, que sempre conheci
acamada, e que por sofrer de morfeia havia no seu quarto um cheiro de podridão
que me assustava e fazia chorar cada vez que minha Mãe lá ia de visita e praticamente
tinha de me levar de rastos.
Desse enterro guardo a
recordação de só ver pernas à minha volta, de achar estranho o som da campainha,
que o padre fosse a falar sozinho e em voz alta, e depois, em volta da campa,
que uma desconhecida me dissesse para apanhar um punhado da terra e atirasse
com ele para a cova.
Tudo aquilo me pareceu bizarro,
e desde então, durante muito tempo sempre encontrei maneira de só acompanhar ao
cemitério os de família chegada e um ou outro amigo que merecia a homenagem.
Contudo, os anos vão afrouxando a resistência, e depois, por ser vizinho, ou porque
andou connosco na escola, ou por ser o pai de fulano, parece mal não acompanhar
este e aquele à última morada.
Nessas ocasiões faço das tripas
coração e, literalmente com cara de enterro, lá vou no cortejo. Aborrece-me o
carpir de circunstância, mas também sofro com dificuldade o verdadeiro pesar,
pois por pouco se me enchem os olhos de lágrimas. Além disso, a ideia que então
tenho não é a de que testemunho um momento solene no campo santo, sim que me
encontro numa espécie de ensaio teatral em que cada um dos presentes improvisa
o seu papel. Todavia, goste ou não goste, há que cumprir as obrigações, de modo
que uns dias antes da Páscoa lá fui a um funeral.
Préstito, missa de corpo
presente, homilia, demasiado choro para ser de todo sentido e sincero, feito o enterro fomos em
pequenos grupos para o caminho de volta.
No meu vinha um cunhado do
falecido, e esse tinha uma história para contar. Dias atrás, ao aproximar-se da
cama onde o infeliz jazia entrevado, a viúva apanhara um susto ao vê-lo rebolar
os olhos, erguer os braços, e acenar umas quantas vezes como se indicasse um
furioso não.
- A minha irmã ainda lhe
perguntou o que queria, mas ele há mais de um mês que não podia falar. Foi então que ela sentiu
no quarto uma corrente de ar muito frio e teve a certeza de que o Sebastião
tinha visto a Morte, não ia durar. E de facto...
Pode ter sido impressão minha,
ou talvez porque no grupo era eu o mais idoso, mas a verdade é que nesse
momento se levantou uma aragem, e pareceu-me que os que iam ao meu lado involuntariamente
se afastavam.