A morte da conversa
Há ocasiões em que aquele tique se
torna um bocadinho cansativo, mas são tantas as boas qualidades do Amadeu que
facilmente se lhe perdoa a absurda insistência na precisão e no detalhe. Já
ninguém franze o sobrolho quando ao aproximar-se a data, ou por qualquer razão
se fala no 25 de Abril, ele pela milésima vez repete que tinha então vinte e
cinco anos, cinco meses e vinte e cinco dias, acrescentando um “precisamente”,
de que não se compreende a utilidade.
De facto nenhum de nós lhe atirará a
primeira pedra, já que de uma maneira ou doutra todos temos as nossas manias, além
de ser o Amadeu um alegre parceiro. Contudo,
nos últimos tempos temos notado uma assinalável mudança nos seus interesses,
ocupando-se agora mais com o que
pomposamente chama “a decadência dos tempos”, em particular “a morte da
conversa”. Porque em sua opinião já ninguém quer, tem paciência ou sabe
conversar, pelo menos naquele sentido antigo em que uma pessoa ia ao café a
horas certas, cumprimentava, sentava-se com os amigos, trocava com eles
novidades e comentários, lia os jornais, discutia a política, confessava os
seus achaques.
- Ler o jornal? Hoje? – pergunta
ele, fazendo um redundante gesto de desânimo – Ninguém lê. Tudo são pressas, anda
toda a gente com a cabeça no ar. Queres falar disto ou daquilo vêm logo com um
já vi na Internet, ou isso está no Google. Depois pegam no telemóvel e é como
se nos voltassem as costas. A vontade que às vezes me dá…
Embora a nossa presença ali
contradiga o que afirma, não deixa de ser verdade que não somente parece ter-se
perdido o gosto da conversa, como esta, na sua versão moderna, dá ideia de se
inclinar menos para a arte do colóquio do que para as tácticas da guerrilha. E
aí, de facto, o Amadeu tem razão, pois o que logo salta à vista, seja numa roda
de amigos, numa reunião ou com a família ao jantar, é a alta probabilidade de
que aquele que exprime uma ideia ou afirma uma crença, se veja de imediato
atacado, não tanto porque lhe falte razão, mas porque na modernidade é de bom
tom ser contra. Injusta ou irracionalmente contra pouco importa, pois é isso o
que vale e dá cachet no mundo do Facebook, da realidade virtual e da Internet
de todas as coisas.
Pobre Amadeu, pobre de mim e dos mais
que somos obrigados a marcar passo, por ser este um tempo em que a rapidez da evolução
torna ronceira a velocidade supersónica, e não há paciência para aturar aqueles
que, por terem nascido no tempo da locomotiva a vapor, perderam o comboio.