quarta-feira, novembro 30

"Porta da Loja"

 


 

          Um obrigado: Vale muito a pena ir ao Porta da Loja aqui e ler o editorial de Alain de Benoist.

terça-feira, novembro 29

Os cegos de Manoa

 

Nos confins da Amazónia, entre o Brasil e a Bolívia, lá onde o rio Madeira começa a ganhar maje­stade, Manoa seria o último lugar onde se esperaria encon­trar alguém como John T. Aldrich III.
Com umas cinquenta cabanas, meia dúzia de barra­cos a que chama­vam casas, e o posto fron­tei­riço onde os soldados de guarda dormitavam apoiados a espingardas da guerra da Crimeia, nos fins de 1967 Manoa era o que com razão se podia chamar um fim do mundo.
Para oriente o barco levava dois dias a alcançar Porto Velho, outra Manoa. Para ocidente dizia-se, mas sem certeza, que ficavam umas montanhas de picos cober­tos de neve. A poucos metros de cada margem, densa a ponto de tornar o dia um crepúsculo­, a selva era um inferno húmido.
Irregular, e por isso sempre surpreendente como um milag­re, a chega­da do barco que de Porto Velho trazia mercadorias, o correio, e alguma autoridade ou viajante desgar­rado, era a maior diversão das duzentas e pico almas a quem tinha cabido o destino de que ali haveriam de nascer, morrer, e no meio tempo multiplicar-se. E multiplicavam-se. A ponto de que quando o barco atracava e corriam todos a ver, pareciam uma multidão.
John T. chegara a Manoa com a vaga ideia de, durante um tempo, gozar ali uma forma extática e exótica de felicidade. Filho de ricos, tinha viajado, tinha visto, vivido, gozado, mas continuava a sentir na alma um indefinível vácuo, e enquan­to aguardava a reve­lação do seu verda­deiro futuro, a Amaz­ónia parecia-lhe um lugar de espera melhor que Connecticut.
Ficou. Agradava-lhe o isolamen­to do lugar e apenas o surpreen­dera o es­pectáculo dos cegos, às vezes dois, às vezes três ou quatro, que se sentavam à borda d'água, e a quem os garotos molestavam aos gritos de "Ca-pa-dos! Ca-pa-­dos!"
O missionário tinha-lhe confessado que achava o costu­me bárbaro, mas conhecen­do-os de há muito, ele próprio nunca se atreve­ria a ir contra os sentimentos de honra dos seus paro­quianos. O assassinato era para as questões miú­das, as dife­renças de opinião, o castigo dum roubo. Mas homem desonrado por infide­lidade de mulher ou sem-vergonha de filha, só tinha uma saída: capar o malfeitor e arrancar-lhe os olhos. Ultima­men­te, aliás, começava a ser costume cegar também as mulheres.
Deitado na rede estendida entre os dois troncos que suportavam a choça, John T. balouçava lentamente, recordando as alucinações do peyotl que tinha experimentado no México, a suave euforia da maconha brasileira, a loucura furiosa causada pelo chinchonete seco que bebera em Barcelona.
­Sentia-se intensamente feliz naquele fim da tarde, mascando folhas de coca, saboreando em golos fundos a cachaça da garrafa que Simona deixava ali à mão, na caixa ao pé da rede.
Nome pouco corrente num lugar daqueles, Simona. Tinha conheci­do uma Simone em Yale, outra em Paris, uma Simo­netta em Bari, e guardara delas deli­ciosas recordações. Mas Simona, com os seus catorze ou quinze anos a mais jovem de todas, na cama levava-lhes de longe a palma. Que corpo! Que fogo naque­les olhos negros! Ao fim de experiências sem conta, e pen­sasse cada um o que quisesse, em sua opinião o sexo era ainda a droga supe­rior.
Meteu na boca outra folha de coca, bebeu mais um golo. O missionário com as suas histórias de honor e horror! O que é que por cinco ou dez dólares se não comprava em Manoa?
Tomou-o um torpor delici­oso, voltou a acordar, bebeu outro golo, atentou vaga­mente no vulto que de pés des­calços se recortava contra a clarid­ade da porta.
- Hi! Pedrito!
Por facilidade tratava-os a todos por Pedrito. Homem ou irmão de Simona, talvez primo, não sabia ao certo. Em todo o caso parente.
John T. escorregou para o chão de terra batida e pegou na garra­fa, esten­deu-a ao visitan­te que diante dele se mantinha imóvel.
- Bebe, hombre!
Silencioso, o homem sentou-se no chão, bebeu, pousou a garrafa, e sacando da navalha passou-a lentamente pela unha do polegar, a experimentar-lhe o fio.

 

segunda-feira, novembro 28

Democracia de especialistas

 

“Há várias décadas assistimos à evaporação das disputas político-ideológicas. Com isso, os problemas fundamentais da sociedade deixaram de ser abordados politicamente. Coincide esta particularidade com o enfraquecimento dos partidos políticos, que se tornaram nada mais do que um adorno enganoso do nosso sistema. Funcionam apenas como uma aparência de democracia. Na realidade, os interesses da maioria passaram a ser subordinados aos interesses de minorias barulhentas e agressivas, representadas por grupos arrogantes de rentismo, e não por partidos políticos. A totalidade da sociedade não é agora, por isso, nem suficientemente representada nem satisfatoriamente levada em consideração.

As clássicas disputas políticas com base em ideias claras e bem definidas, formuladas e expressas com autenticidade pelos partidos, caíram em descrédito e estão a ser substituídas por talk-shows superficiais na TV e por uma “democracia de especialistas” em que os políticos perdem a preponderância do seu papel na sociedade. As figuras públicas e os autoproclamados especialistas, assumiram essa função.” Aqui.