O coração nas mãos
Uns compreenderão que assim seja, a outros parecerá cobardia
e fraqueza, mas neste tempo é arriscado defender princípios, pois em menos dum
ai nos colam a etiqueta que lhes convém e empurram-nos para onde não queremos
ir.
Ao Justino Madureira faltam sete meses para a reforma, conta
ele que só depois, com o coração nas mãos, é que irá desabafar. Até lá fica de
boca calada, não quer chatices, as que tem bastam e sobram. Todavia, como a
política o apaixona, e possui verdadeiro talento para o desenho, entretém-se no
café a esboçar o retrato de ministros e figuras públicas, compensando assim o silêncio
a que se obriga quando alguém quer saber das suas convicções.
Diz que não é como pensamos, mas nota-se que são mais artísticos
os retratos daqueles com quem simpatiza, enquanto que nalguns dos outros deixa
traços de caricatura, exagerando os beiços deste, o olhar acarneirado daquele,
as pernas arqueadas dum terceiro, as sobrancelhas doutro.
Contudo, quando se impacienta, há um ponto em que,
adversários ou correligionários, a todos mete no mesmo saco, lastimando que em
quase meio século de Democracia não tivéssemos tido um político, um único, que
se destacasse por ter proferido daquelas frases históricas que marcam uma
personalidade, ficam gravadas na memória colectiva, e são repetidas em ocasiões
solenes. Ministros, Primeiros-Ministros, Presidentes da República, líderes
partidários, aparecem uns, desaparecem outros, o Justino Madureira desafiou-nos
a nomear um que, numa bela frase, tenha exprimido um sentimento superior, e
mereça ser citado, à maneira do que se faz com as de Churchill.
Como quase sempre acontece nestas cavaqueiras de café, uns
sorriem, outros encolhem os ombros, e se entre os presentes há diferenças de
idade e de interesse, passado o momento de atenção cai-se na piada.
Também desta vez assim foi, e um sujeito encostado ao balcão
gracejou que a frase de Sócrates na Cimeira de Lisboa em 2007 - ‘Porreiro, pá!’
- poderia não ser solene, mas a verdade é que tinha dado a volta ao mundo.
Ninguém reagiu, esqueceu-se o assunto, falou-se disto e daquilo,
até que sem mais nem menos o Justino rebentou às gargalhadas, parecendo que
sufocava.
- Esta é boa! Olha do que me fui lembrar! Será porque se
falou no gajo? Algum de vocês conhece a resposta do Presidente González, do
México, quando lhe perguntaram o que tinha feito para ser tão rico?
Como nenhum de nós sabia, soletrou-a ele com um sorriso malandro:
‘Um político pobre, é um pobre político.’