ESPERANÇAS E ENGANOS
A Madalena e o Ricardo. Ela,
minha afilhada, e desde que nasceu menina dos meus olhos; ele neto de um velho
camarada dos tempos da Guiné. Andam ambos a enganar-se, e pode ser que esteja
errado ou os anos me perturbem o entendimento, a minha ideia é de que seja qual
for o fim ambos vão perder. Perderei eu também, porque às escondidas um do
outro me tomaram por confidente, mas da maneira como as coisas estão, só
atraiçoando um deles poderei evitar um mau desenlace. Deixar correr não é boa
opção, além de que me desagrada ver a afilhada com um namorado que não me
parece forma para o seu pé.
É namoro à moderna: agitado, um
não acabar de Facebook e Twitter, Instagram, com tanto burburinho que se
conhecem mal e quase que só se encontram na companhia doutros. Isso, porém,
como que lhes aumenta a febre, e é um não acabar de declarações, confissões,
projectos do que vai ser e como terá de ser.
Ele quis-me mostrar uns mails em
que ela lhe escreve coisas apaixonadas e as respostas que lhe deu. Quase cedi à
curiosidade, mas por prudência recusei. Isso porque dias antes me tinha ela
contado que às vezes este namoro lhe parece
brincadeira, um passatempo. Acha o rapaz engraçado, atencioso, romântico
à moda antiga, mas humor não conhece, diz a sério que o que chamam cultura está
tudo no Google.
Conta-me a afilhada que de vez
em quando tem de lhe explicar o evidente, e isso mata o entusiasmo. Ambição não
possui, nem sabe o que seja, e quase nos
trinta continua a viver com os pais. Também lhe confessou que só tinha
tido uma namorada e a ligação acabara mal, estava convencido que nunca
conseguiria. Mas agora!...
- É um querido, não achas? E
gosta tanto da mãe!
O sorriso com que Madalena diz
aquilo é de mau agouro, mas o pobre, apaixonado como anda, mesmo que estivesse
presente não iria desconfiar. Conta-me ele os sonhos, os planos que faz. A casa
vai ser construída perto da dos pais, quanto mais não fosse porque lhes deve
tudo. E anda a informar-se sobre qual
será o melhor destino para o mês inteiro da lua de mel. Que penso eu de um
cruzeiro às Caraíbas? Ou Roma? Paris? Se bem que Paris... Nenhum deles fala
francês e ouviu dizer que os parisienses são embirrentos. Se ficarem pela
Europa irão de carro. Quer um novo e já perguntou à Madalena de que marca gosta
mais, mas ela não respondeu.
Será que andam ambos a
enganar-se? O futuro o dirá. Também pode ser que seja eu a sofrer de
pessimismo, mas são tantos os que começam assim, e quando acordam estão no
altar.