quarta-feira, julho 31

Quanta raiva

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Quanta raiva e amargura corre por aí, quanta danação, pragas, insultos, tanta certeza vã de que estes fazem mal, os outros fizeram bem, só a vitória do nosso clube é gloriosa, justa, porá isto direito, a funcionar como deve.
Já os de ontem o disseram e os de amanhã dirão o mesmo, como em todos os tempos o dizem os tolos, os mesquinhos, os do venha a nós, nunca a eles.
E eu, que não visto camisolas, não dou vivas nem morras, só tenho a bandeira da terra em que nasci e onde pertenço, olho em redor abismado com a malvadez, a estupidez, a ignorância que cega, o fanatismo que destrói, a impotência do ódio.
Assusta-me o modo como a minha gente julga esconder o pavor que sofre, imitando raivas e desdéns, sabendo que no fundo, bem no fundo, o que a atormenta são as incertezas, as incógnitas, a insegurança, a vontade de ter um futuro mas querê-lo único, bom, apenas seu, como se jamais tivesse sido possível fugir à realidade numa ilha, ou escapar ao mundo por detrás de muralhas.


 

domingo, julho 28

Epílogo

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Agarrem-me, senão um dia destes ponho-me a escrever um policial. Personagem principal já tenho: a Gabriella de que falei aqui
Saída há dois meses da cadeia, apareceu ontem num bosque perto de Haarlem, assassinada com uma única bala na cabeça, a marca de trabalho encomendado a profissional.

sábado, julho 27

Tudo se repete

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Da Introdução de Antônio Cândido para a edição de 1965 de Caetés, o romance de Graciliano Ramos:

"A atmosfera geral do livro, se liga também à lição pós-naturalista, onde encontramos a celebração dos aspectos mais banais e intencionalmente anti-heróicos do quotidiano, correndo parelha com certo pudor de engatilhar aqueles dramas convulsos em que tanto se comprouveram os fogosos naturalistas da primeira geração. Imaginando torcer o pescoço ao que lhes parecia postiço e convencional, deixaram-se ir à convenção de que a arte deve reproduzir o que há na vida de mais corriqueiro; chegaram assim a um postiço avesso do que pretendiam liquidar, pressupondo na vida um máximo de pasmaceira que ela não contém e, nos personagens, uma estagnação espiritual incompatível com a dinâmica inerente à mais rasteira das existências."
 

terça-feira, julho 23

Imagem e ostracismo


Claro que quem a tem e preza cuida da imagem, não mistura alhos com bugalhos, maçãs com peras, Byron e brincadeiras.
Mas a posse e mantença da imagem é coisa para poucos. Trabalhosa, pede cuidado permanente, citações em Latim, referências a poetas antigos, seriedade no rosto, mostragem de saber, fundura do pensamento, o modo vago e o olhar distraído de quem, estando ainda neste mundo, se sabe acima dele.
Mal vai ao que, desdenhando do esforço e desinteressado da aparência, se esquece de arranjar pose: olham-no de viés e caem-lhe em cima, pois se não mostra é porque não tem.
Pudessem eles e tivessem-nas à mão, faziam como os gregos antigos: apedrejavam-no com ostras.

segunda-feira, julho 22

Ó Céus!


Como Fazer Uma Pintiado N*a Criansa Para Uma Festa De 7 Anos 

Ninguém me mandou passar por aqui. Foi acaso.

domingo, julho 21

Tratamento

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Dizem que o tinham esquecido e desprezado por ser coisa de um longínquo passado  e lhe faltarem os ingredientes e garantias da modernidade. Mas agora o antigo é que é bom, puro, natural, biológico, e neste caso, dizem, mais eficiente do que cremes, rodelas de pepino ou esfregar com aguardente.
Limpa e rejuvenesce pronto, sem dor, ao preço da chuva. Começou no Japão, e se ainda não está aí pouco há-de tardar.

sábado, julho 20

"Os Maias" - um posfácio

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O posfácio que em 2001 escrevi para a edição neerlandesa de
Os Maias.

Inspirando-se em Walter Scott, que com o romance histórico tinha traçado um vasto panorama da sociedade inglesa, Balzac na sua obra irá dissecar a sociedade francesa no período conturbado que se segue à queda da monarquia.
Porém, ao contrário de Walter Scott, Balzac não se atarda em detalhes pitorescos, nem no colorido de cavaleiros lutando pela causa justa. Interessa-lhe sim descrever na mais concreta das formas o tecido das relações humanas e sociais, a desintegração dos valores, o emergir de novas castas que, pronta e irreprimivelmente, copiam as taras daquelas contra quem tinham combatido.
Coveiro da literatura romântica, pioneiro do Realismo, Balzac e a sua obra vão exercer uma influência determinante em José Maria Eça de Queiroz (1845-1900), que virá ele próprio a tornar-se a figura de proa do Realismo em Portugal.

 
Muito jovem ainda Eça de Queiroz tinha-se embebido de literatura francesa, circunstância de que mais tarde os seus críticos por vezes se irão servir para o acusar de submeter à moda de Paris o estilo da sua escrita, de introduzir na língua  portuguesa um excesso de galicismos, e de ter plagiado não somente Balzac, mas ainda Zola e Renan.
Nacionalmente célebre desde a publicação em folhetim dos seus primeiros romances: O crime do padre Amaro (1875) e O primo Basílio (1876), Eça de Queiroz habita há anos Newcastle-on-Tyne, onde é cônsul de Portugal, quando em 1877 informa o seu editor do desejo de, à semelhança da Comédie Humaine de Balzac e Les Rougon-Macquart de Zola, empreender uma vasta obra cíclica, “uma espécie de ‘Galeria de Portugal’ no século XIX… a pintura da vida contemporânea: Lisboa, Porto, províncias, política, negociantes, fidalgos, jogadores, advogados, médicos – todas as classes, todos os costumes.”
O projecto constaria de doze títulos, dos quais os romances A Capital e Os Maias seriam o primeiro e o último. Curiosamente, só estes viriam a ser de facto escritos e publicados.[1]


Vivendo então em constantes apertos de dinheiro, como já antes lhe acontecera em Lisboa, e mais tarde em Havana, onde também fora cônsul, Eça de Queiroz só dificilmente conseguia trabalhar na sua obra. A maior parte do tempo empregava-a ele em colaborações para os jornais brasileiros que, ao contrário dos portugueses, eram correctos no pagamento.
Infelizmente, os proventos que daí lhe vinham não bastavam para saldar as dívidas que contraía junto dos amigos, dos fornecedores e dos agiotas. E a tentar tapar os buracos que constantemente se lhe abriam na bolsa, pedia adianta-mentos ao seu editor sobre romances que, como A Capital, só tarde e más horas iria concluir, ou que as mais das vezes nunca passariam de sonhos. Além disso parecia apostado em criar situações embaraçosas, que algumas vezes só não redundaram em catástrofes graças à intervenção discreta do seu amigo Ramalho Ortigão (1836-1915).[2]
Em determinado momento chega a pensar que melhor seria deixar a cidade, onde a vida era cara, e estabelecer-se no campo, plano que abandona porque - como escreverá em carta a Ramalho Ortigão - a casa em que vivia e a sua presença física eram a única garantia dos credores.
Na mesma carta ironiza ainda: “As dívidas serviram a Balzac para aprofundar o mundo bancário, agiota, notário e forense; mas eu nem tenho essa consolação de que as minhas dívidas me tragam a revelação de tipos essenciais; elas só servem para me envelhecer e me bestificar.”
Os seus problemas financeiros continuarão insolúveis, e o casamento em 1886 com uma aristocrata de família abastada, em vez de trazer o alívio esperado, vai torná-los ainda mais prementes. De qualquer modo, e no meio de essas e outras tormentas da sua vida pessoal, em 1888, onze anos passados desde que anunciara a intenção de escrevê-lo, o romance Os Maias é finalmente posto à venda.

 
Trabalho da idade adulta, espelhando um tempo em que, gradualmente, a crítica venenosa que o tornara célebre dá por vezes lugar ao desencanto e à ironia, este romance de Eça de Queiroz – considerado por muitos a sua obra prima – ganha sobre os anteriores em análise objectiva da sociedade portuguesa.
Paradoxalmente, para essa objectividade deve ter contribuído de certa forma o seu afastamento da pátria, pois vistos de longe pareciam exasperá-lo ainda mais os fenómenos que na sua juventude atacara com sátiras cruéis.
Numa das crónicas para o jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro,  escreve ele em 1881, retomando a antiga mordacidade: “Somos o que se pode dizer um ‘povo de bem’, um ‘povo boa pessoa.’ E a nação vista de fora e de longe, tem aquele ar honesto de uma casa de província, silenciosa e caiada, onde se pressente uma família comedida, temente a Deus… A Europa reconhece isto: e todavia olha para nós com um desdém manifesto. Porquê? Porque nos considera uma nação de medíocres: digamos francamente a dura palavra – porque nos considera uma raça de estúpidos… Numa época tão intelectual, tão crítica, tão científica como a nossa, não se ganha a admiração universal, ou se seja nação ou indivíduo, só com ter propósito nas ruas, pagar lealmente ao padeiro, e obedecer, de fronte curva, aos editais do governo civil. São qualidades excelentes, mas insuficientes. Requer-se mais; requer-se a forte cultura, a fecunda elevação do espírito, a fina educação do gosto, a base científica e a ponta de ideal que em França, na Inglaterra, na Alemanha, inspiram na ordem intelectual a triunfante marcha para a frente; e nas nações de faculdades menos criadoras, na pequena Holanda ou na pequena Suécia, produzem esse conjunto eminente de sábias instituições, que são, na ordem social, a realização das formas superiores do pensamento.”[3]
 
 
O quadro em que o enredo de Os Maias decorre – a aristocracia e a alta burguesia de Lisboa cerca de 1880 – era-lhe familiar. E dentro desse quadro o escritor irá criar uma notável galeria de cenas e tipos, não se poupando a si próprio, pois se retrata em feroz caricatura autobiográfica na figura de João da Ega.
O personagem principal do romance é Carlos da Maia, espécie de alter ego sonhado, aristocrata, centro de atenções, dispondo de meios que, sur le moment, lhe permitem satisfazer os seus desejos. É através desse personagem excepcional – dândi, médico, inteligência brilhante, homem de gosto refinado, capaz de dissertar ajuizadamente sobre política e economia, viajado, lido nos clássicos - que Eça de Queiroz lança sobre a sociedade portuguesa um olhar sardónico.
Parecendo em cada década caminhar mais apressadamente para o abismo, a história de Portugal no século XIX é uma sucessão de tragédias. Política e economicamente o país é uma colónia inglesa. Culturalmente é dominado pela França. Constata-se uma apatia generalizada, um desencanto a envolver tudo e todos, chegando-se ao extremo de considerar que a solução de todos os males pudesse vir de uma União Ibérica, em que Portugal se tornasse de facto uma simples província espanhola.
À observação desse ambiente trágico Eça de Queiroz sobrepõe em Os Maias a decadência de uma família, a qual, por assim dizer, se torna como que o espelho do país. Do mesmo modo que Carlos, o neto, personifica em parte os males do Portugal moderno, Afonso da Maia, o avô, é o símbolo das virtudes do país antigo. Mas ambos inevitavelmente destinados a falhar e a falir. E assim o romance é, sobretudo, uma constatação de falências e  incapacidades. Situações dramáticas ou cenas comezinhas, tudo termina em indiferença como se, totalmente abúlicos, os personagens se deixassem empurrar pela fatalidade.
Com um enredo que frequentemente toca o melodramático, Os Maias tem por fio condutor o tema do incesto, e esse aproveita-o Eça de Queiroz como metáfora para denunciar uma sociedade que, aparentemente obcecada pelos fantasmas da sua degenerescência e da sua decadência, não consegue encontrar em si as forças capazes de libertá-la dos ideais de um passado romantizado e da sua incapacidade de acção.
O romance, contudo, está longe de ser obra sombria: com fina ironia, Eça de Queiroz transforma grande parte das cenas em quadros de drama giocoso. Mas analisado em conjunto,  o decorrer dos acontecimentos conta menos do que a cómica descrição que o autor faz dos personagens e do seu meio.
Embora sejam frequente as cenas altamente humorísticas, é sobretudo na descrição de tipos que o autor dá mostras de excepcional talento. A já citada caricatura autobiográfica, o retrato do poeta Alencar, a figura de Eusébiozinho, o embaixador da Finlândia, o novo-rico Dâmaso, todos eles, e outros, parecem ter recebido de Eça de Queiroz o sopro vital. Aliás, é nessa impressionante galeria de retratos que muitos críticos e académicos geralmente se apoiam para, ainda hoje, considerarem Os Maias como o mais importante romance da literatura portuguesa.
Que o seja ou não, o qualificativo é menos interessante de que o facto de que passado mais de um século sobre a sua publicação, Os Maias continue a ser um romance moderno e que, em essência, o Portugal de hoje se ache tão vivamente  retratado nele.
Não é preciso substituir os cavalos pelos automóveis, nem a monarquia de então pela república democrática do presente: atente-se apenas nos personagens e ver-se-á que o romance de 1888 espelha grosso modo os vícios e as virtudes da sociedade portuguesa contemporânea. É como se, com a sua arte, o escritor tivesse sido capaz de tornar visível a presença daqueles elementos que, misteriosos e imutáveis no tempo, parecem formar a essência de um povo.
E talvez porque nele os portugueses se reconhecem melhor do que em qualquer outro romance, Os Maias continua a ser de todos os livros de Eça de Queiroz o mais lido e o mais querido.



[1] A Capital, que o autor começara a escrever em 1878, seria  publicado postumamente em 1925.
[2] José Duarte Ramalho Ortigão, autor de vasta obra,  escreveu A Holanda (1883), traduzido em neerlandês por M. De Jong com o titulo Holland 1883. Ed. Jacob van Campen, Amsterdam, 1948.
[3] “Cartas de Inglaterra”. Datado de 1880 a 1882. Publicado postumamente em 1905.


quinta-feira, julho 18

Momentos (7)



(Clique; as fotografias são doutra data)
Amsterdam, praça do Dam, seis da tarde. A expressão um "mar de gente" não chega  para descrever a espessura e o mexer de milhares de corpos e estaturas, desejos a sobrar, pressas, alegrias, empurrões, passos desencontrados.
A rapariga escolheu mal. Veio sorridente, agarrou-me o braço, e num inglês tosco pedinchou cinco euros. Desprendi-me, mas já outra, carinhosa, apoiando o braço no meu ombro, falando a mesma algaraviada, e com sorriso igual, desculpava a amiga (ou seriam irmãs?), explicando que era brincadeira, duas jovens "stiudenti romeni" a percorrer a Europa, "to mit biutiful pipal en si sings".
Estudantes, uma fava. Por má sorte, ainda aprendiz, os dedos a procurar-me a carteira, mal contava a dona que o ancião lhe agarrasse o pulso e torcesse o braço.
Medo, lágrimas, perdões mil, grande fingimento. Um ou outro passante olhava sem ver, e uma alemã de largo sorriso, alheia ao mundo, pediu se a fotografava com o marido, o palácio em pano de fundo.
Eu a dizer Jawohl e das "estudantes" nem rasto.
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PS. Esta webcam permite uma vista da praça em tempo real e imagens de HDTV.