Nós é que os temos
no sítio
Será preciso ser-se mesmo muito azedo para não gostar do A. Guedes, sessentão
alegre, homem viajado, amigo do seu amigo, impecável nas maneiras, sempre
pronto nas atenções.
Aquele A., sabem-no os íntimos, esconde um trauma que sofre desde miúdo, e
se repete cada vez que é obrigado a dizer ou a escrever o seu nome de baptismo:
Asdrúbal. Isso não só porque o acha ridículo, mas pelo sentimento que tão bem
exprime de que o nome não se lhe “cola”, lhe causa um incómodo comparável ao de
quem sofre de uma deformação do corpo ou não consegue esconder um tique nervoso.
Fora essa antipatia pelo nome de baptismo, o Guedes é também dado a
sentimentos e opiniões extremas, embora inofensivas e de pouca dura, mas sempre
com a agravante de mais tarde ser capaz de negar a pés juntos o tê-las defendido.
Aconteceu isso com as piadas que tempos atrás fazia a propósito dos sorrisos do
Primeiro Ministro, e a certeza que tinha de que mesmo as melhores marcas de
automóveis usam peças recicladas.
A mais recente das suas definitivas afirmações é de carácter pessoal e ao
ouvi-la é difícil manter a seriedade. Dá-se o caso que, política, carestia da
vida, a falta de água, o desleixo do Governo, seja qual for agora o tema da
conversa o Guedes infalivelmente encontra motivo para, de dedo em riste, soltar
um “Sempre tive os c. no sítio!”
Surpreende, outras vezes irrita, mas o problema, se assim se pode dizer, é
manter a seriedade, porque embora ninguém ponha em dúvida a geografia dos
seus genitais, ou interesse saber quanta testosterona armazena nos ditos, por
ser franzino e ter voz fininha causa espécie aquela constante alusão aos testículos.
Dos quatro anos que trabalhou na
Polónia trouxe a bizarra certeza de que "as polacas são mulheres de c.",
mas tendo a certa altura participado em Estocolmo num congresso do comércio
retalhista, diz que pode jurar que "os suecos não têm c. e os noruegueses
também não! Nem os russos!"
Como uma espécie de mania a que
agora esteja sujeito, todas as ocasiões lhe parecem boas para voltar ao tema, e
no café, em casa amiga, seja onde for, lá volta ele à certeza de que as polacas
são mulheres de c., que esses atributos faltam aos nórdicos, aos russos, e sabe
Deus a quem mais.
Tempos atrás, ligeiramente toldado
numa festa de anos em que estávamos, ele, que nasceu e se criou em Mirandela, agarrou-me
pelo braço, jovial:
- C. temos nós, transmontanos! É
ou não é? Sempre tivemos!
De vergonha e acanhamento senti
que se me encolhiam as partes.