terça-feira, fevereiro 12

Nós é que os temos no sítio


Nós é que os temos no sítio

Será preciso ser-se mesmo muito azedo para não gostar do A. Guedes, sessentão alegre, homem viajado, amigo do seu amigo, impecável nas maneiras, sempre pronto nas atenções.
Aquele A., sabem-no os íntimos, esconde um trauma que sofre desde miúdo, e se repete cada vez que é obrigado a dizer ou a escrever o seu nome de baptismo: Asdrúbal. Isso não só porque o acha ridículo, mas pelo sentimento que tão bem exprime de que o nome não se lhe “cola”, lhe causa um incómodo comparável ao de quem sofre de uma deformação do corpo ou não consegue esconder um tique nervoso.
Fora essa antipatia pelo nome de baptismo, o Guedes é também dado a sentimentos e opiniões extremas, embora inofensivas e de pouca dura, mas sempre com a agravante de mais tarde ser capaz de negar a pés juntos o tê-las defendido. Aconteceu isso com as piadas que tempos atrás fazia a propósito dos sorrisos do Primeiro Ministro, e a certeza que tinha de que mesmo as melhores marcas de automóveis usam peças recicladas.
A mais recente das suas definitivas afirmações é de carácter pessoal e ao ouvi-la é difícil manter a seriedade. Dá-se o caso que, política, carestia da vida, a falta de água, o desleixo do Governo, seja qual for agora o tema da conversa o Guedes infalivelmente encontra motivo para, de dedo em riste, soltar um “Sempre tive os c. no sítio!”
Surpreende, outras vezes irrita, mas o problema, se assim se pode dizer, é manter a seriedade, porque embora ninguém ponha em dúvida a geografia dos seus genitais, ou interesse saber quanta testosterona armazena nos ditos, por ser franzino e ter voz fininha causa espécie aquela constante alusão aos testículos.
Dos quatro anos que trabalhou na Polónia trouxe a bizarra certeza de que "as polacas são mulheres de c.", mas tendo a certa altura participado em Estocolmo num congresso do comércio retalhista, diz que pode jurar que "os suecos não têm c. e os noruegueses também não! Nem os russos!"
Como uma espécie de mania a que agora esteja sujeito, todas as ocasiões lhe parecem boas para voltar ao tema, e no café, em casa amiga, seja onde for, lá volta ele à certeza de que as polacas são mulheres de c., que esses atributos faltam aos nórdicos, aos russos, e sabe Deus a quem mais.
Tempos atrás, ligeiramente toldado numa festa de anos em que estávamos, ele, que nasceu e se criou em Mirandela, agarrou-me pelo braço, jovial:
- C. temos nós, transmontanos! É ou não é? Sempre tivemos!
De vergonha e acanhamento senti que se me encolhiam as partes.