Já nada vos salva
Das leituras ou de ter vindo
assim ao mundo, em miúdo escolhia mais depressa o campo feminino do que o do
machismo. Fazia-me espécie a desigualdade, real ou fingida, doía-me a
subserviência das mulheres, desnorteavam-me os conflitos em que, mesmo sem
razão, o homem saía vencedor.
Criado num ambiente que muito
tinha de feudal, julgava meu dever tomar a sério o papel de cavaleiro andante, e
assim fiz até que os anos me levaram a
deitar água na fervura, acalmando a minha a visão do negócio das relações. Muito
relativa, aliás, essa calma tem-me dado oportunidade para uma espécie de revisão
dos meus sentimentos e do que vou observando.
Nos anos cinquenta, chegar a
Paris foi um choque cultural. Havia machismo, certamente, mas nos meios que
passei a frequentar a desigualdade entre os sexos era excepção, não a regra. Em
Amesterdão, nova surpresa: na balança das relações a mulher pesava mais do que
o homem. Mostrava-se forte, eficiente, decidida, enquanto ele parecia acomodar-se
no papel de segundo violino. Não gostei nem desgostei, estranhei. Aquilo ia
demasiado de encontro ao que tinha sido
a minha criação, e foi nessa altura que passei a atentar no que em Portugal
havia de mudança. Notei os primeiros sinais uns vinte anos atrás, e desde então
surpreende-me a maneira como, quando se espera que sejam eles a decidir, tantos
homens parecem intimidados.
Esses fariam melhor em atentar
nas mulheres entre os vinte e os quarenta. Eu atento. Atitude, fala, modo de
andar, hoje tudo nelas nega a sujeição e os medos do passado, é a tomada de consciência
de um poder em marcha imparável, o avanço de uma desigualdade em que nós,
homens, ficaremos na mó de baixo.
Um grupo de jovens na esplanada.
Terão à volta de vinte anos, olham os telemóveis, raro se encaram ou falam. Um
alisa o penteado com ademanes graciosos, as calças doutro descaem de jeito que
se lhe veja a cuequinha de marca; um terceiro, ar de hipnotizado e longe do
mundo, oscila ao som de uma música que só ele ouve; derreado na cadeira, o que deve
ser o mais novo vira e revira os pés, como que fascinado pela sola dos Nikes; cabeleira à Cristo, brinco na
orelha, o último masca distraído qualquer coisa que passa duma bochecha para a
outra.
Cena corrente, mostra apenas que
algo mudou, muito irá mudar, e eles vão perder. Nada adianta alertá-los, porque
fariam de surdos, ou talvez me acusassem
de pessimismo. Certo é que quando olho para os rapazes de hoje entristeço e
digo para comigo: já nada vos salva.