A vitória de Bolsonaro
É de certo modo curioso que, com sessenta feitos, lhe
continuemos a chamar o Joãozinho Albuquerque, mas era assim em miúdo e assim
ficou, se bem que tanto no físico como na atitude ele nada tenha de diminutivo,
antes o contrário: é grandão, a sua voz desconhece o sussurro, acompanha o que
diz com grandes gestos de entusiasmo, e dá daquelas gargalhadas que num café,
sala, ou espectáculo, obrigam as pessoas a voltar-se.
Esse, digamos, é o Joãozinho Albuquerque público, ferrabrás
de ideias radicais, afirmando que, tivesse ele o poder, em menos dum pronto
corria a pontapé com a cambada que desde 74 nos tem desgovernado, e não ficava
um para amostra. Não vota, porque nenhum partido o satisfaz, mas estando entre
amigos confessa que se os militares, amanhã, resolverem finalmente tomar conta
desta república bananeira, será ele o primeiro a aplaudir.
A curiosidade reside em que existe uma outra versão do
Joãozinho Albuquerque, a versão doméstica: com um falar mais calmo e defendendo
ideias que não embatam de frente com as das filhas e de D. Margarida, sua esposa
há três décadas e socialista ferrenha há quase outras tantas. Isso por
convicção, mas também pelo acontecimento histórico de num comício na Figueira
da Foz, em 1992, o Presidente Mário Soares a ter abraçado e respondido longamente
a uma sua pergunta acerca da situação da mulher na sociedade portuguesa em
geral, e no PS em particular.
Num ambiente em que a esposa e as três filhas detêm a
maioria, e ser ele pouco inclinado a tarefas caseiras, a sua posição sempre foi
delicada, obrigando-se a concessões para não pertubar demasiado a paz doméstica.
Por má sorte, essa paz, que durante as polémicas do #Metoo já tinha sofrido um
abalo ao ser recordada uma velha infidelidade sua, findou bruscamente semanas
atrás com a eleição de Bolsonaro.
Entusiasmado com a vitória do candidato da sua simpatia, o
Joãozinho Albuquerque foi imprevidente e, esquecendo que estava em casa, não só
deu vivas, como anunciou que ia abrir o champanhe. É evidente que para
discórdia e azedume bastava, mas com a excitação perdeu mesmo as estribeiras e,
indiferente ao sarcasmo da mulher e das filhas, já de costas viradas, foi à
cozinha buscar a garrafa ao frigorífico, veio de lá segurando-a como se fosse
uma metralhadora e a fingir que disparava rajadas festivas.
Desde então anda mal humorado, garante que este país não tem
conserto, e é mau sinal que nas famílias já não se respeite a autoridade do pai,
nem a opinião de cada um.