domingo, outubro 20

Os lados da barricada

 

Tempos houve em que a barricada tinha dois lados: num juntavam-se os que queriam atacar, no lado oposto os defensores.

Essa simplicidade há muito teve fim, mas bem pode ter sido ilusão minha, pois com isto dos anos é arriscado fazer afirmações definitivas. Além de que tudo muda, e de tão estranha maneira que, de verdade, talvez já nem se possa usar o termo no sentido antigo. Isso devido a que, desde a luta por direitos e à escaramuça nas ruas, até ao mais que excessivo multiplicar de ideais, partidos, certezas,  exigências e modas, hoje em dia tornou-se difícil, de facto quase impossível, tomar uma atitude e erguer uma barricada. O ingénuo que ouse tentá-lo, logo decobrirá que, do lado oposto ao do seu desagrado ou exigência, não vai encontrar um oponente, nem meia dúzia deles, mas mais do que quantas formigas saem a correr dos buraquinhos subterrâneos, assim que lhes cheira a açúcar ou rato morto.

Ficasse o transtorno por aí, poder-se-ia apelar à calma e restos de bom-senso, mas tanto esse como aquela vão indo a caminho das raridades, de modo que sendo prioritária a paz de espírito e desejável o descanso do corpo, resta o clássico encolher de ombros.

Parece uma atitude cobarde, mas está longe de sê-lo. Sabem-no em demasia os que já se viram em palpos de aranha ao descobrir que não há barricadas que separem, e resultam sempre mal as imitações de Dom Quixote.

 

 

domingo, outubro 13

O Inferno somos nós

 

L’enfer c’est les autres”. Os outros é que são o Inferno, sermoneou o franciú zarolho, no tempo em que por mais isto, aquilo, e abonados dons de vaidosa genialidade, recebeu o Nobel da Literatura, para de seguida orgulhosamente o recusar, pois temia que essa honra viesse a contribuir para a diminuição do apreço da sua obra.

Podem culpar-me de azedume, mas fosse eu dado a malícia perguntaria se ainda por aí há quem leia Sartre, embora me veja obrigado a confessar que no longínquo passado dos anos cinquenta o li, mas sem entusiasmo, incapaz de compreender o seu arrazoado, e assim não conseguir entrar na fileira dos que o tinham por apóstolo.

Porém, o que agora aqui vem ao caso, é refutar a afirmação do célebre filósofo, e defender que os outros de modo nenhum são inferno. Se porventura o forem, ou nele ameacem tornar-se, pouco custa sorrir um adeusinho, virar-lhes as costas e – em pensamento, claro – aplicar-lhes no sítio devido um bem assente pontapé de adeus, que isso em geral resulta.

A dificuldade está em provar que o Inferno existe, o Inferno das labaredas de fogueira colossal, e suplícios que tornariam suportáveis os tratos de polé da Santa Inquisição. Vénia pois a Dante, que o imaginou e descreveu. Vénia também aos sacerdotes da Santa Madre Igreja, que se estafam a apregoar a ameaça de para lá irmos, o perigo que corremos a cada passo que que nos leva a sair do bom caminho.

Nesse Inferno sou incapaz de acreditar, e o semelhante só me incomoda na medida em que lho permito. Contudo, do que não conseguirei libertar-me enquanto viver, é do inferno que transporto comigo a modos de mochila, donde inesperadamente, em graus variados mas sempre dolorosos, saltam medos e ameaças, falhas, amarguras, vergonhas, ocasiões perdidas.

 

sexta-feira, outubro 11

De olhos abertos

 

É fácil comentar, papaguear, ser "especialista"na TV, com ideias feitas e resposta pronta. Grande alívio ler quem sabe o que diz. Aqui 

quinta-feira, outubro 10

Mandões e canalhas

 

Parabéns mais uma vez ao Telmo Azevedo Fernandes, e votos de que os canalhas dentro em breve paguem caro;

Vhttps://blasfemias.net/2024/10/09/o-povo-e-inimigo-da-democracia/

terça-feira, outubro 8

A verdade e a liberdade

 

https://www.resistir.info/assange/estrasburgo_set24.html

domingo, outubro 6

Muito se aprende

 

https://estatuadesal.com/2024/10/05/o-q-u-e-n-a-o-s-e-p-o-d-e-d-i-z-e-r-n-e-m-e-s-c-r-e-v-e-r-2/ 

Novidade para mim: a refinada invenção dos censores.

Gozar o prazer

 

Claro que tem a ver com a idade, este meu modo de olhar para a terra onde nasci, o que nela acontece, a pobreza a que parece condenada, pois mesmo recebendo esmolas bilionárias continua pedinte. De forma que é desnecessário deitar cartas, ou possuir dons de vidente, para lhe augurar um futuro que, mesmo à vista desarmada, se anuncia precário.

Pessoalmente, muita raiva, desalento, e decepções me serão poupadas, dada a certeza de que pouco vai demorar a que receba o bilhete para o que, jocosamente, se chama a última viagem.

Mas uma dor há que em particular e fundo me aflige: a bandalheira a que parece condenada a nossa língua mãe, o desdém que por ela mostram os que deviam cuidar que se modernizasse, mas respeitando tudo o que a torna incomparável, a começar pela bela simplicidade de Fernão Lopes, depois rica e majestosa quando usada por Camões e Vieira, de elegância e ironia ímpar na pena de Eça.

Desde que apareceram, os jornais foram exemplares no cuidado dos textos. Os revisores eram implacáveis na correcção dos erros de ortografia, censores eficientes do estilo desleixado, contribuindo assim para que a leitura do jornal não fosse apenas tomar conhecimento das notícias, mas o confronto com um vocabulário rico, e uma prosa cuidada que não desmerecia da literatura.

Leitor fanático desde a infância, e a sonhar-me escriba, o que nos jornais aprendi muito me ajudou como porta de entrada para o meu ofício. Infelizmente faz tempo que o lê-los já não me irrita, só entristece, pois o que com frequência lá encontro nem são erros de palmatória, mas calinárias, bazófia de analfabetos.

No jornal a escritora afirmava: “Quando escrevo sinto um enorme gozo”. Prazer talvez conheça, certo é que gente assim despreza a língua, anda a gozar connosco.