terça-feira, fevereiro 12

Os milhões do coronel


Os milhões do coronel

Confesso que sigo com interesse, e também alguma malícia, os processos de Sócrates, Espírito Santo, Vara, Bava, Granadeiro e quejandos. Essa malícia causa-ma, sobretudo, a “ingenuidade” de que dão prova os protagonistas, um pouco à maneira das crianças que, apanhadas em falta, juram “não fui eu que fiz” ou “foi aquele menino”, curiosa maneira de reagir à evidência dos factos. Mas em matéria de ingenuidade os personagens secundários não lhes ficam atrás, e seja a Sofia, a Fernanda, e agora a Inês, nunca souberam, nunca viram nem ouviram, é como se de repente sofressem a falta de memória de quem chegou à terceira idade.
Na semana passada, ao ler que Inês às vezes tinha em casa cinco ou dez mil euros “para as despesas domésticas”, veio-me à lembrança um caso que há meses está a ser julgado em Moscovo, e no qual a sogra do arguido disse à Polícia não se lembrar dos 600.000 dólares que apontara num caderninho, mas que isso de certeza “tinha a ver com uns  trocos”.
A semelhança entre ambos os casos acaba aí, porque em qualidade de enredo, personagens, somas de dinheiro envolvido e andanças sentimentais, a telenovela do coronel Zakharchenko, o “coronel Casanova”, leva a palma.
Este oficial de 39 anos, encarregado de chefiar o combate à corrupção, dava às amantes milhões de dólares, carros de gama alta e apartamentos de luxo, com  a facilidade de quem oferece ramos de flores.
Não há dúvida de que se podia permitir essa largueza, pois ao revistar-lhe a casa a Polícia encontrou 124 milhões de dólares, 1,4 milhão de euros, 324 milhões de rublos e uma barra de ouro. Que os milhões de dólares fossem em notas novinhas e intocadas, dá que pensar, e também é  mistério que um militar que ganha € 4.000 disponha de semelhante capital, mas mais curioso ainda é o facto do coronel afirmar que ignorava ter aquilo em casa, e também que não apareça quem se diga dono.
Seja como for, e aconteça isso na Rússia, em Portugal, na Bolívia ou no Paquistão, semelhantes processos arrastam-se anos nos tribunais, pouco valendo que os juízes sejam incorruptos, pois como vimos no recente debate entre o senhor Rio e o senhor Santana, o geral dos políticos tem um apreço limitado pela Justiça independente.
Triste augúrio que confirma a certeza de que embora de tanto em tanto tempo as moscas mudem, continuará igual a estrumeira em que nos deixam.

PS. Curiosos detalhes sobre o caso Zakharchenko: http://www.dailymail.co.uk/news/article-4858538/Moscow-anti-corruption-cop-four-lovers.html