domingo, julho 21

A cabeça mais que cheia

 

Deve ter passado os setenta, mas está longe da velhice, é daquelas pessoas que nas pequenas comunidades parecem existir para representar o papel de alguém que se reconhece na rua ou no café, mas de quem pouco se sabe.

É o velhote do cãozito amarelo, parece que mora para os lados do castelo, um ou outro lembra-se de que tinha duas filhas, mas isso há vidas. Do que todos sabem é que não tem íntimos nem dá confiança. Bom-dia, boa-tarde, um vago aceno, um meneio da cabeça, e de súbito parece esfumar-se, esquecem-no antes de virar a esquina.

Pelas aparências deve ter boa reforma, mas ideia nenhuma de quanto será, donde lhe vem, que profissão foi a sua, por que franças andou.

Felizmente, mordido por um alsácia teve o cãozito de ser levado à veterinária. E essa, boa na profissão e excepcional nas relações humanas, “descascou” o senhor, assim se sabe agora que há muito é viúvo, trabalhou anos no Iraque de Sadam Hussein, no Dubai, nos “petróleos” da Venezuela.

Mas o passado passou, hoje só se interessa pelo seu “fiel amigo”, e o jeito que sempre teve para a pintura. Não a clássica, morosa, com regras e estilos, mas à sua maneira, absolutamente livre e original.

 Na mesa coloca em desalinho umas quantas latas de tintas de tons diferentes. Montado o cavalete, agarra três garfos, mergulha-os numa e noutra lata, esfrega-os depois na tela, fazendo os movimentos do que sente como inspiração.

Certas ocasiões “uma voz” diz-lhe que esfregue o dedo em certas manchas, do que resulta um inesperado sentimento de bem-estar.

- Na televisão e nos jornais – confessou ele à veterinária – há muitos a queixar-se de serem bi-popular assim, bi-popular assado, mas são raros os verdadeiros bi-populares, os que como eu têm a cabeça mais que cheia.

 

quinta-feira, julho 18

E se por acaso...

 

Sempre é melhor procurar saber, investigar, comparar, do que engolir as patranhas que nos querem impingir os senhores que ainda mandam. Aqui

UE: um ninho de fsdp

 

A Telmo Azevedo Fernandes devo mais do que o abraço que ainda não lhe consegui dar. Com ele, muito mais jovem, tenho aprendido e lhe estou grato. O abraço será dado quando e se Deus quiser. De momento, mais uma vez, também ele made my dayAqui

 

terça-feira, julho 16

De volta a casa

 

Voltei ontem dos confins transmontanos e os primeiros momentos do voo - um dia contarei porquê - foram dos mais comoventes que já vivi.

Hoje começo com um texto para pensar, à autora faço vénia e repito: You made my day. Aqui

domingo, julho 14

Viagem sem mapa

 

Fazer planos seria vaidade e um bocadinho ridículo, pois o que se aceita até tarde, digamos aí por volta dos oitenta, passada essa étapa é muito o que entra no domínio do nebuloso. Todavia, acontece por vezes que o inesperado, além da qualidade que se lhe atribui, ganha facetas que a uns parecerão bizarramente esperançosas, enquanto outros – entre esses me incluo – tendem para suspeitar que o acaso não existe, em tudo julgam sentir a presença de um espírito, não necessariamente maligno, mas dado a provocar estranhas reviravoltas.

Evitarei o chocho lugar-comum de que a minha vida dava um romance, pois todas o podem dar, basta que quem o escrever possua arte suficiente. O que acontece é que, “revisitando” uma e outra das peripécias que vivi ou testemunhei, me vejo a braços com o obstáculo de conciliar a recordação e o sentimento de incredulidade, como se o ficcionista em mim tente fazer passar por real, o que em demasia sei que foi imaginado. E vice-versa. Todavia ele, dispondo de qualidades fora do meu alcance, além de tão superiormente refinadas que Houdini cai do pedestal, estraga-me muitas horas que, fosse eu católico praticante, iria passar de joelhos no confessionário, pedindo a remissão dos meus pecados.

Julgando-se com mais apurado sentido do real, um ou outro a quem menciono a minha confusão aconselha-me a não fazer caso, porque dando tempo ao tempo tudo passa. E bem pode ser que a razão esteja do seu lado, mas eu não me posso dar o luxo de olhar para os meses do calendário, vivo atento aos ponteiros do relógio, perguntando-me quando chegará o instante a que os poetas chamam “o último suspiro”, e os escribas de obituários se aborrecem e rogam pragas, folheando jornais à procura de louvores.