sábado, outubro 24

Sintomas

- Ainda estou sem cara!

Levanta-se mal humorado e pergunta, fingindo não ter ouvido: - Quê?

- Ainda estou sem cara! – repete ela do quarto de banho, o seu modo de dizer que a maquilhagem vai demorar – Bateram à porta!

Mais fingido que verdadeiro, ele cultiva o modo absorto do professor de Matemática para quem o comezinho não rima com o teorema de Fermat e semelhantes.

- Era o correio.

Volta a sentar-se, retomando o que estava a ler: "Alguns sintomas são cruciais para estabelecer

o diagnóstico exacto. Se constatar um ou mais dos sintomas de alarme em que cada minuto conta, contacte o seu médico e telefone para o 112..."

Salta as linhas.

"Forte transpiração, cãibras no peito... Visão dupla... Perda de força num braço ou perna... Perda de coordenação dos movimentos, vómitos, estado de choque..."

Nada disso, felizmente. Na lista seguinte, "Sintomas em que cada hora conta", também não encontra referência ao que lhe interessa, a dorzinha que dias atrás começou no sovaco e de vez em quando alastra para o braço. O esquerdo. O lado do coração. A mesma coisa que aconteceu ao Albano. Estava no chuveiro, dor no sovaco, apalpou, sentiu lá um caroço, isto não há-de ser nada, mas à cautela foi ao médico e num pronto tinham-no aberto – ela gostava de mostrar o lanho, do peito à barriga da perna – garantiram-lhe que ter descoberto aquilo tinha sido milagre. Mais uma hora ou duas e não escapava.

- Sempre na Matemática! Se pensasses na saúde e começasses a fazer dieta!

Não se tinha dado conta da presença da mulher e involuntariamente mete a mão na camisa, apalpa o sovaco. Encontra qualquer coisa, esgaravata com a unha. Pode ser uma borbulha. Deve ser, mas nunca se sabe. Pode ser. É capaz de ser.