Talvez nem mesmo Einstein me saberá explicar como é que as vinte e quatro horas do dia variam tanto de indivíduo para indivíduo. As minhas, mau grado o muito que corro, mostram-se singularmente curtas. Entre a higiene, umas ligeiras tarefas domésticas, duas linhas de escrita, almoçar, jantar, olhar distraidamente o céu e a paisagem, quando dou por mim é hora da deita. Umas poucas páginas de leitura e, como diziam antigamente os poetas, caio, salvo seja!, nos braços de Morfeu.
Televisão não vejo, rádio não oiço, música não escuto. Calculo por alto, mas entre visitar blogues e pesquisas no Google, gastarei uma hora. Outra hora vai-se-me a atender cães e gatos. Aos vizinhos e amigos é um adeusinho, um como vão esses ossos, dez minutos a ouvir-lhes contratempos e achaques.
Entretanto, nessas mesmas vinte e quatro horas, há gente que relê e depois comenta num longo ensaio a poesia de Kavafis; escreve outro sobre a noção do cómico de Joyce em Finnegans Wake; almoça com uma poetisa síria e de seguida participa com ela na gravação de um programa sobre o Médio-Oriente; comenta as últimas legislativas num artigo de fundo; toma parte numa mesa redonda sobre a componente neo-realista dos filmes de Vittorio de Sicca; janta com a prima da falecida Pina Bausch; dá uma entrevista à TV Globo; escreve umas coisas no seu blogue e acaba a noite num bar.
Gente assim, suponho eu, possivelmente tem criada que lhe lava a louça, faz a cama e arranja a casa, dá de comer ao gato. Porém, mesmo com esse conforto, há ainda que tomar banho, fazer a barba, telefonar a este, àquela, aqueloutro...
É aí que eu apreciaria a ajuda de um Einstein, pois semelhante actividade e tanta produção só me parece possível caso os dias não sejam iguais para todos.
Ocorre-me que aqui talvez se possa parafrasear Orwell: Todos os dias são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.