Oiça, doutor, tem um momento? O senhor Pedro, aquele idoso que eu trouxe ontem à consulta, piorou e pediu-me se à tarde o trazia cá de novo. É por isso que lhe venho falar.
Eu sei que os médicos nestas nossas terras têm a vida pesada. A maioria dos pacientes é ruim de aturar, difícil de compreender, mete os pés pelas mãos quando explica os achaques, e se não puder dizer quantas injecções lhe deram ou quantas horas esteve a soro, volta a casa decepcionado e mais doente.
O senhor Pedro também é desses, mas quando o vim buscar apertou-se-me o coração. Corriam-lhe as lágrimas, olhava-me com uma expressão de indizível tristeza, demorou até poder falar. Que você se tinha zangado com ele, que lhe tinha gritado e o olhara de um modo esquisito.
Oiça, doutor, não é questão de culpas ou desculpas. Deixe-me perguntar-lhe: você tem quê? Trinta e cinco? Ainda não fez quarenta, pois não? O senhor Pedro não sabe a idade, só sabe que já passou dos noventa. É por isso que lhe queria pedir: logo, quando cá viermos, sorria-lhe. Olhe-o nos olhos. Ele queixou-se da indiferença, disse que nem sequer o tinha olhado. E esqueça a doença. Naquela idade e no abandono em que vive, de certeza se sente melhor com um bocadinho de atenção do que com injecções e comprimidos.
Eu sei, doutor, eu sei, mas tente. Mesmo que seja só desta vez.
Lembre-se... Não, não! Deixe lá.