Uma tarde, a rir, no mesmo café onde tudo tinha começado, fizeram contas e discordaram. Ela dizia que fora em Outubro, fazia exactamente dois anos. Ele segurou-lhe as mãos e, paciente, pediu que recordasse. Tinha sido no começo de Dezembro, quando o Sérgio... Que não. E não lhe falasse no Sérgio. Estava absolutamente certa, até se lembrava do que tinha vestido e do casaco, aquele de alpaca com uma gola de raposa que...
Cedeu. Ouvia-a, sorria-lhe, acenava paciente que sim, mas o pensamento disparara. Ligação invulgar, clandestina, perigosa, apaixonante, a deles, cada um descobrindo no outro como que a metade que lhe faltara. E agora... Não, não, era ridículo, não era possível que semelhante ninharia... Lembras-te do casaco? Aquelas botas que eu tinha comprado, de Pollini, as de verniz com um tacão...
À medida que, entusiasmada, ela tentava convencê-lo, sentia crescer um sentimento de quase pânico, fundo, incompreensível, o acordar de uma hipnose.
Voltou a segurar-lhe as mãos. Sim, de facto devia ter sido em Outubro. Depois falaram doutras coisas e quando ela, com um sorriso malicioso, lembrou o encontro combinado para o fim-de-semana, teve um momento de hesitação. Era pena, devia ter-lho dito antes, mas tinham de adiar. Não deu razões, nem ela quis saber, o acordo tácito que tinham desde o começo.
Despediram-se com carinho e ainda se veriam uns meses, o sexo continuaria agradável para ambos, mas nunca lhe diria que, inexplicavelmente, por uma ninharia, naquela tarde tudo terminara.