sexta-feira, outubro 23

Carta de Guia de Namoros


Os costumes mudam actualmente dum modo que tem a gente a impressão, pelo menos eu tenho, que estabilidade neles é coisa do passado. As relações entre as pessoas, essas, influenciadas e modificadas pelo arsenal dos meios de comunicação, tomam um aspecto mirabolante para quem é do tempo da telefonista, do telegrama e do telex.

Daí o ter-me ocorrido a ideia de, baseando-se na clássica Carta de Guia de Casados de Francisco Manuel de Melo (1651), sugerir que alguém, entranhado nos aspectos da modernidade, se deite a escrever uma Carta de Guia de Namoros em Tempos de Internet.

Pelo que tenho observado, o telemóvel e a internet modificaram de tal modo a antiga arte de namorar que, creio, se justifica o trabalho de compêndio das regras (se as há), das dificuldades, dos perigos, dos gozos e das quase infindas possibilidades que esses meios oferecem.

Medieval parece hoje o tempo da piscadela de olho, do "ir atrás", de fazer "pé de alferes" e "arrastar a asa". Nem num filme cómico se imagina ainda o namorado no passeio, esticando o pescoço para a janela do segundo andar donde a futura lhe acena adeuzinhos. Um pretendente ao nó a fazer sala na presença dos futuros sogros? Um romântico a mandar poemas de amor com folhas secas para ela colar no álbum?

Isso são usos mortos e enterrados, e com Second Life ou sem ela (quase) toda a gente tem hoje uma terceira, quinta ou décima identidade, aumenta os anos, corta-os, alinda-se, muda de sexo conforme a lua, não conta pelos dedos, que esses não chegam, o número de amantes e amores. Os idosos fazem-se adolescentes, as Lolitas juram-se casadas mas infelizes, putos de dez dão-se por trintões e acendem labaredas na mestra, nunca há certeza se a fotografia é original, do Google ou manipulada com Photoshop.

Em semelhante caos de amores, simpatias, falsidades, encontros e desencontros, mutações e permutas, mesmo que as coisas fiquem pelo virtual parece impor-se a necessidade da referida Carta de Guia onde se assentem uns tantos preceitos e regras, caso contrário, envolvidos num marasmo de nicks, corremos o risco de um dia, confundindo tudo, andarmos a mandar mails amorosos àqueles que odiamos ou, topo do absurdo, a nós próprios.