segunda-feira, junho 8

O país da anedota


Por mais que me doa não há volta a dar: nasci, tenho vivido e hei-de morrer no país da anedota, não daquelas que causam gargalhadas e duram pouco, mas uma com séculos de riso amargo e o afecta como uma doença, lhe rói as entranhas e o deixa às portas da morte, mas umas vezes por caridade, outras para que não destoe no panorama ou não continue a aborrecer a parceria lá lhe vão deitando a mão.
Fingem não ver mas riem-se dele e atiram-mo à cara, apontam-me o dedo: o meu é o país da trafulhice, da manha, o país em que um corrupto afirma viver de um cofre materno onde o dinheiro nasce e ninguém ri; o país onde o sorteio entre dois juízes dura tanto até acertar no bom; o país em que, como por princípio, a lei não é igual para todos; o país em que o governo chama poupança aos calotes que faz; um país onde é tanto o fingimento que passa por realidade; o país de sonhos e amanhãs que nunca chegam; o país onde a pulhice dos governantes é instituição; o país da gentileza, do sorriso, das boas maneiras, mas de olhos fechados, memória curta, medo da própria sombra e do pau com que o ameaçam; o país politicamente doente, enfraquecido, triste, tão desanimado que o governo não tem oposição; o país em que raro é o dia sem novidades assim