quinta-feira, setembro 4

Sabedoria

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E se eu mostrasse o que guardo no peito? Se cedesse a um daqueles acessos que, destravando a língua, me levariam a gritar o que com tanto cuidado e energia refreio? 
Conheço todas as razões e mais uma que justificam a moderação, a cortesia, o amor do próximo, o amor à pele. Também sei que a paz com a família, os vizinhos, conhecidos, amigos, lojistas, políticos e porteiros, não se alcança nem mantém com o coração perto da boca. Mas que desmesurado esforço isso necessita! E então o fingimento! Olha que sou franco. Não me passaria pela cabeça esconder-te a verdade. Sou homem de palavra. Detesto mentiras.  Fazer uma coisa dessas? Nunca! 
E assim por diante, em representação permanente de ópera bufa. Claro que também eu falseio, invento desculpas, uso estratagemas, sou capaz de cumprimentos que a mim próprio deixam de boca aberta, elogios de que me pergunto se o elogiado não vai desatar a rir de tão descarada sem-vergonha. 
Tenho pouca, de facto nenhuma, esperança de melhoras, ou que por milagre esteja a tempo de me tornar homem, cidadão, marido, pai, avô, amigo e vizinho exemplar. Mas como ainda  possuo um resto de vergonha, ultimamente vou deixando de falar, e uma bem vinda surdez faz com que mal oiça o que me dizem. 
De modo que continuo igual e de bem com o semelhante, acontece apenas que calo mais e oiço menos.