segunda-feira, setembro 29

Adultério

(Jesus e a mulher adúltera, Nicolas Poussin -1594-1665 - Clique)

Na passada sexta-feira, o acaso pôs-nos ambos na mesma sala de espera do hospital, os últimos da consulta, partilhando o aborrecimento da demora com gracejos sobre as doenças em geral e a fragilidade da existência.
Mulher no princípio dos quarenta, muito classe média no aspecto, no trato e no vocabulário, nada que me fizesse recordá-la ou reconhecê-la se por acaso a voltasse a ver.
Reconheceu-me ela à tarde na esplanada do hospital, onde me tinha sentado a tomar café e, sorrindo, pediu licença, porque todas as mesas à sombra estavam ocupadas e ela tinha uma alergia qualquer que obrigava a evitar o sol.
Ninguém pergunte a sequência da conversa, porque se me foi totalmente da memória, como não faço ideia do que em certo momento a levou dizer que vivia com um homem quinze anos mais velho e, estranho desabafo, era mãe de três filhos.
- De pais diferentes.
Sorri a mostrar compreensão, o resto veio numa catadupa de paciente na primeira visita ao psiquiatra, e eu, como se o fosse, ouvi calado.
-A minha vida foi sempre de chatices, tenho faro para arranjar brutos e más companhias. Com este estou há quatro anos. Já estava casado há uns vinte, mas a mulher deixou-o, e finalmente é o homem que me convém, estou com ele para sobreviver.
Sabe que ele há vinte e nove anos, vinte e nove! tem o mesmo emprego? O senhor é capaz de compreender? Eu não.Chega a casa, atira com os sapatos, cai no sofá. Do resto trato eu e trato bem. Às oito põe-se a ver as notícias e adormece. Mais insosso não deve haver, mas é fiel.
Uma vez apanhou-me com o meu amante. Um rapaz que me deitou a mão quando eu estava mesmo em baixo, durante mais dum ano foi quem pagou o meu aluguer. Não tenho gozo em ir com ele prá cama, porque é um bocado bruto e mandão, mas enfim, tenho ideia de que pago o que meu deu.
O meu homem ficou fulo, mas expliquei, e ele perdoou. Fecha os olhos. Compreende que quando lhe dou muitos beijinhos é porque venho do meu amante, mas não diz nada. Para não me perder até era capaz de aceitar mais.
É isso, sabe, precisamos um do outro: eu salvo-o da solidão, ele salva-me da pobreza.