Alguma coisa se ganha com o avanço dos anos, e o que com eles se perde resulta por vezes em inesperado benefício. Assim me dei recentemente conta de que não tenho inimigos.
Claro que os tive, e de sobra: paranóides uns, outros de
genuínos maus fígados, este e aquele de inveja assassina, inimigos por
procuração, ou apenas por estupidez, os que pelo desejo de pertencerem ao
rebanho não suportam quem caminha só.
Dizia eu que me descubro sem inimigos, mas talvez não
seja bem assim, porque além da inimizade conhecer os vários rostos que vão da hipocrisia mal
disfarçada à cordialidade com que o assassino esconde a faca, há também a
inimizade sazonal, inócua, e de todas talvez a mais divertida.
Deste último tipo resta-me um, que não é precisamente um
inimigo, mas aquele matreiro que tem em tão alta conta a sua capacidade de
disfarce, que se descuida e não repara que anda com o rabo de fora.