domingo, setembro 14

O coqueiro

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É de mau agouro e contranatura a paz que há décadas, talvez quase um século, reina nas Letras portuguesas.
Entre os que a elas se dedicam, e os que as analisam e comentam, há muito desapareceu a máscula troca de murros e insultos, não há notícia de rixas de café, ameaças, duelos, roubo de amantes ou acusação de desvios. Tudo se mostra estranhamente sereno, cortês, cordial, mesmo a birra entre o prócere que aguardava o Nobel, e o felizardo que o recebeu, se limitou a uma breve e indirecta troca de resmungos.
Semelhante calmaria forçosamente trará resultados funestos, não se descortina  jovem literato que, ansioso de novidade e mudança, se encoraje a  desempenhar o papel clássico do elefante na loja de porcelana.
Uma situação destas não pode de facto continuar, é doentia, anormal, toca o absurdo.
Escreveu A. um péssimo romance classificado com uma única estrela? Pareceria justiça, mas na prosa acompanhante o crítico desfaz-se em louvores e ditirambos, cita a estreia do cujo, prevê o êxito da próxima opus.
Deu a jovem B. simultaneamente à luz um bebé e cento e dezanove páginas de recordações da sua infância em Aguiar da Beira, estremecem os plumitivos, excitados com a promessa do excepcional talento.
É péssimo sinal. Entre louvores, abraços, demasiado respeito pelos ídolos e encorajamentos de infantário, vão-se as Letras portuguesas serenamente afundando num charco de banalidade, em parte alguma se descortina o crítico azedo e competente que dê ao coqueiro a forte e muito precisa sacudidela.