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Sério no modo, sóbrio no dizer, amigável, o jovem veio
despedir-se dos vizinhos, anunciou que partia a lutar no Iraque pelo seu ideal,
o de um mundo melhor, mais justo, menos corrupto. Embarcou ontem com a mulher e
dois filhos.
Criei-me num mundo hostil e assustador: guerra na Etiópia,
Guerra Civil de Espanha, Guerra Mundial, guerra na Indochina, na Coreia… Essas
catástrofes longínquas tinham o efeito de redobrar em mim a ânsia de um ideal
que terminasse com todas as guerras e a todos fosse dado viver num mundo de
paz, dignidade e menos fome.
Mau grado reveses, dramas pessoais, tristezas, decepções
e injustiças sofridas, mantive esse ideal já passado dos trinta.
Em 1964 conheci pela primeira vez o desafogo que a
abastança permite, mas se recordo a data não é pelo conforto em que desde então
passei a viver, sim pela tragédia de por esse tempo ter definitivamente perdido os ideais que acalentara. O acaso da
vida e das relações levara-me a conviver com uma casta de políticos, futuros
políticos, jornalistas, literatos, negociantes, diplomatas de várias nações e
raças que, realistas, diziam tê-los e vivê-los, mas não se perdiam em sonhos ou
ideais. Falavam com língua dupla ou tripla, conforme o interesse, desdiziam o
que antes solenemente tinham jurado, vendiam-se ao interesse que melhor pagasse.
Vi-os depois em governos.
Dessa gente, a que não pertencia nem desejava pertencer, me
desliguei sem pena, certo que continuaria a caminhar sozinho e que a jornada
seria demorada e penosa.
De facto assim foi, ainda é, porque não tenho ideais nem
sonhos, vivo num mundo em que vale a pena ser DJ, jogar futebol, seguir Justin
Bieber, onde a nudez de uma ou outra mulher recebe mais atenção do que centenas
de afogados no Mediterrâneo, um mundo onde a fome e as pragas se tornaram
folclóricas e proveitosas.
Não estranho que haja idealistas que desejam a mudança e a
quem o fanatismo cega. Mas que mundo é este em que, cegos também, aceitamos
viver? Que esperança é a nossa? Que fizemos ao ideal?