Festejamos o nosso reencontro com um jantar. A terceira garrafa de Saint-Emlion vai meada e ele conta.
Pela primeira mulher apaixonou-se com o entusiasmo romântico da juventude, imaginando tesouros onde só havia vazio, descobrindo depois como a incompatibilidade dos caracteres e dos corpos se transmuda lentamente em ódio.
A segunda traía-o. Sem malquerença, só porque tinha o adultério no sangue. Quis aceitar, compreender, esperançado de que um dia mudasse, mas em vão: ela era a borboleta da fábula, esvoaçando ao acaso, colhendo gota aqui gota ali.
Desesperado, lembrava-lhe que era preciso criar alicerces, pensar no futuro. Por vezes nessas ocasiões ela segurava-lhe as mãos, levava-as aos lábios, e no dia em que se divorciaram surpreendeu-o ao dizer-lhe numa repreensão terna:
- Não é culpa tua, mas nunca serás capaz de compreender.
Conheceu depois a domesticidade. A vida regular da casa arranjada, da mesa posta, das compras ao sábado, do sexo ao domingo. Do gato e do jardim. Das férias na praia. Das visitas, dos aniversários. Dos jantares com os sogros.
Cerrava os olhos com os punhos, no desejo inconsciente de fazer parar o tempo. Para onde foram os meus sonhos? Que aconteceu à aventura? Deus de misericórdia, é isto a vida?
Ela morreu como tinha vivido, calma e insignificante, e ele surpreendeu-se de não sentir dor, nem saudade, nem sequer pena. Mesmo a lembrança que se pegava aos móveis e aos objectos desvaneceu ao mudar de casa.
Quando julgava tudo perdido, tudo acabado, o sonho inesperadamente realizou-se e a aventura veio. Com a embriaguez dos sentidos e as loucuras de que nunca poderia ter gozado tão intensamente se por acaso as tivesse conhecido na mocidade.
Tentou tudo para que ela ficasse: prendê-la com afecto, seduzi-la com promessas, comprá-la com luxos. Mas também esta era borboleta e, além disso, jovem de mais para se sujeitar a prisões. No dia em que pela última vez a apertou nos seus braços, não se conteve e chorou lágrimas de raiva. As lágrimas de melancolia vieram mais tarde, com a certeza de que o curto ano de felicidade nunca se viria a repetir.
- É como lhe disse há bocado e você, escritor, de certeza concorda: a minha vida conta-se em quatro mulheres. Três capítulos e um posfácio.