quarta-feira, janeiro 17

Calendário

Provavelmente existe noutras partes, mas há na Holanda um objecto que sempre me fascinou : o chamado calendário de aniversários. Em geral é uma folha de cartolina que, em cada lado, assinala os dias de um semestre, reservando para cada dia um pequeno espaço onde se anotam os aniversários que convém recordar.
Bizarro, mas pragmático, o hábito generalizado é de o pendurar na porta da retrete. O meu foge à regra. Por desleixo, não tem sítio certo, do que resulta que quando o arrumo, como há instantes, por vezes os olhos se fixam numa data e trazem a recordação.

Ela tinha vinte anos, escolheu a Itália para as suas primeiras férias sozinha e, sem que o tivesse premeditado, deixou o combóio em Milão.
O taxista levou-a ao hotel, fez-lhe a corte, desvirginou-a, deu-lhe quinze dias de carinho, de sexo e atenções. Jurou-lhe amor eterno, mas infelizmente, casado, cheio de filhos, não a poderia acompanhar a Amsterdam.
Se voltasse no ano seguinte haveria de ver que a sua paixão não tinha diminuído. E ela voltou. Doze Verões a fio. Para quinze dias de carinho e de sexo. Até que ele lhe confessou que não podiam continuar. Tinha sido bom, mas tudo tem fim. Cruamente, confessou-lhe que eram tantas as estrangeiras que o cobiçavam, e cada vez mais jovens, que se via mal para atender a todas.
Contou-me, e eu acredito, que nesse momento teve a sensação de que tudo desmoronava: a sua vida, o mundo, as ilusões, o passado e o futuro. Não chorou nem se queixou. Deu-lhe um último beijo e acenou da janela quando o viu entrar no táxi.
Voltou a Amsterdam e ao escritório. Fez do trabalho o único fito da sua vida e dedicou-se à pintura para encher as horas vagas. Nunca conheceu outro homem. Faleceu anteontem dum ataque de coração. Tinha quarenta e quatro anos.