sábado, janeiro 20

Enredo

Conhecemo-nos na sessão de autógrafos de um amigo e simpatizámos, fomos jantar. Achei-a inteligente, vivaz.
Contou-me a história da sua vida. De estarrecer. Pobreza, violências, maus tratos, incesto, álcool, droga, prostituição. Finalmente conseguira fugir para Barcelona, e lá conhecera um interregno de paz e felicidade.
Foi nesse tempo que começou a trabalhar para os jornais e escreveu o livro que publicou há pouco. Mas logo depois nova reviravolta para a desgraça: álcool, prostituição, droga. Um amante tinha sido assassinado à faca, um outro a tiro. O irmão suicidara-se de maneira bizarra, enforcado na janela de um segundo andar, as pernas a balouçar para a rua, demorando a que alguém atentasse no acontecido. Arrasada do corpo e do espírito tinha passado meses no hospital.
- E agora, como te sentes? - perguntei, a dar-me tempo de absorver aquele rosário de tragédias.
- Mais ou menos. Tomo antidepressivos,vou aguentando.
Quando nos despedimos desejei-lhe sinceramente boa sorte.
Isto foi umas semanas atrás. Dias depois falei do caso a um jornalista que a conhece e ele, em vez de se mostrar impressionado como eu esperava, desatou a rir, quis saber se tínhamos bebido.
- O normal. Umas cervejas antes do jantar, depois uma garrafa ou duas de vinho, calvados... Porquê?
- É que ela aguenta mal os copos e quando bebe confunde tudo, inventa. Sem malícia. Aliás a sua vida nunca teve nada de trágico. O que ela te contou deve ser o enredo do romance que anda a escrever.