Mesmo os que negam tudo o que tenha a ver com o sobrenatural, vivem por vezes uma circunstância que de súbito abala as suas convicções, os faz pensar que talvez devam ser menos fanáticos na negação e, por pequena que seja, deixar em aberto a possibilidade de que nem tudo está ao alcance dos nossos sentidos.
O Zagalo é todo o avesso dos descrentes, acredita no sobrenatural e tem a certeza absoluta de que se séries como Star Wars são obras de imaginação filmadas em estúdios, elas encerram mensagens que nos são enviadas doutros mundos, mas demorará séculos e séculos antes que sejamos capazes de as decifrar. Todavia, isso não o impede de passar noites a examinar aquelas fotografias da NASA, fascinado pela imensidão do universo, esperançado de a olho nu um dia descobrir o que a outros escapou e alcançar a fama.
Seria injusto concluir que, como se costuma dizer, o Zagalo vive na Lua, pois todos temos sonhos e só Deus sabe quanto alguns deles são desmedidos. Fora isso, se podemos sorrir da sua pesquisa de sinais extraterrestres, mesmo entre os mais cépticos dos seus conhecidos é sabido que na vida do Zagalo se têm dado episódios que desafiam a lei das probabilidades, uns bons outros estranhos, que sempre acontecem de seguida a certos movimentos e sons do Taksin, o gato siamês que era da mãe e com que ficou quando ela faleceu. Infelizmente não pode prever quando essa actividade tem lugar, menos ainda o seu resultado, pois o que por vezes julga ser um sinal misterioso é apenas o bichano a pedir lambarice ou estar em maré de ternura. Mas para só falar da última vez em que ficou mesmo espantado, estava uma noite a ver o Big Brother quando o Taksin se pôs a esfrangalhar o jornal caído no soalho. Não ligou, porque já era costume, mas ao pegar nele ao colo os seus olhos foram atraídos pela publicidade da Raspadinha. Como não costuma jogar esqueceu o que talvez pudesse ser um presságio, mas de manhã na Câmara nem queria acreditar quando o Daniel lhe veio dizer que tinha subido de escalão.
Um incrédulo abanará a cabeça, que uma coisa nada tem a ver com a outra, mas ele não entra em discussões nem é de confidências, mesmo ao Bernardes, amigo do peito, nunca dirá que leva o Taksin para a cama e quando vê que ele o está a encarar e começa a mexer a pata esquerda, lhe pergunta coisas que gostaria de saber e o bicho responde, ora com uma tremura ou então num certo modo de inclinar a cabeça. Por duas vezes acertou de tal forma que começa a ter medo dele.