Perdoa-se-lhe muito porque é bom homem, mas fraqueza da mãe ou herança genética, durante a gestação deve ter havido qualquer percalço. Célula que se desenvolveu mal, talvez um nervo desajustado, artéria entupida, músculo insuficiente, certo é que no meio de qualquer conversa, seja ela sobre os tais mercados que na China vendem toda a espécie de bicharada, a quase certa derrota de Trump em Novembro, a vantagem dos motores eléctricos sobre os de gasolina, o Alfredo encontrará sempre maneira de com um "isso faz-me lembrar", conseguir que o que fala se cale, tomar ele a palavra para dizer o que lhe parece urgente partilhar connosco.
A interrupção ainda se lhe perdoaria, o mal é que ele infalivelmente irá recordar um qualquer episódio da sua juventude, com a agravante de que no que depois conta não se descobre qualquer afinidade com a conversa em que estávamos. Nos últimos meses esse seu tique como que se tem agudizado, pois enquanto que no passado havia alguma variedade nas histórias que recordava, creio que agora se pode falar de obsessão, pois de cada vez retorna ele ao mesmo episódio da adolescência, deixando-nos com a ideia de que o que então aconteceu foi determinante para o seu comportamento com certo tipo de mulher, mas também para anos depois escolher a Lucinda para futura esposa.
Seria abusar da paciência de quem isto lê cair na tentação de, tal como o Alfredo faz, relatar tintim por tintim as peripécias do caso e fazê-lo no tom descansado que trai o Alentejo em que nasceu. Daí esta versão resumida, livre dos apartes com que ele interrompe a narrativa, um pouco à maneira dos que na escrita abusam das notas de rodapé.
Tinha dezasseis anos e trabalhava na confeitaria do senhor Matias, quando num fim de tarde o patrão lhe mandou que corresse a levar um embrulhinho à esposa. Correu, a Zulmira disse-lhe que a Dona Ilse estava em cima, constipada, o quarto do lado esquerdo.
Assombro! Ao ver a porta aberta estacou, coisa assim só nas séries! Nunca imaginaria que houvesse quartos daqueles, tudo dourados e tanto espelho, Dona Ilse sentada na cama a sorrir e a acenar que se aproximasse, ele que nem uma estátua. Ao vê-la de cara de zangada lá foi, só que ela nem olhou para a encomenda, agarrou-o pelos cabelos e obrigou-o a fazer umas coisas.
Razões suas ou questão de embaraço, mesmo insistindo não entra em detalhes e termina sempre com uma certeza que só por si basta para que muito se lhe perdoe: - Uma portuguesa não fazia aquilo a um garoto!