Em certos momentos é difícil evitar a recordação de
como, entre irónica e carinhosa, a mãe do Adriano o repreendia, chamando-lhe
“tolinho”. Embora fizesse quanto podia para passar despercebido, e pouco dado a
traquinices, nele o corpo e o cérebro pareciam funcionar de maneira que por
vezes resultava em inesperados movimentos ou actos contrários aos da sua
intenção.
Os anos, a gentileza natural e a bondade do carácter
fizeram do Adriano uma pessoa agradável, só de longe a longe se nota no seu
comportamento um daqueles desequilíbrios que traz à lembrança a repreensão
materna.
Sempre bem barbeado, por volta dos quarenta deixou
crescer o bigode, mas ao contrário da discrição que esperávamos, o seu apêndice descaía pelos
cantos da boca até ao queixo, dando-lhe um ar de mexicano.
A alcunha foi de geração espontânea, e desde então
tanto o tratamos por Adriano como por “Bigodes”, mas agora é chamar-lhe
“tolinho” o que mais depressa nos ocorre, pois poucos como ele se deixarão
influenciar pelas questões do clima, da
poluição atmosférica e do perigo que, dentro em pouco, no planeta venha a
escassear a água potável. Também o assombram as previsões de que “gastamos” a
Terra.
Todos vemos as mesmas notícias, deixamos a quem manda
o trabalho de remediar as situações, encolhemos os ombros às más profecias e
vamos à praia. Todavia, se é esse o comportamento corrente, o do “Bigodes” atinge
o limite, a ponto que por vezes nos perguntamos quanto demorará até que a sua
companhia e a sua conversa se tornem um peso que não queremos suportar. Porque
já não é somente a insistência em recomendar esta ou aquela verdura, fazer
sermões a propósito de certos grãos só conhecidos em remotas partes dos Andes, é
aborrecer-nos também com as suas teorias da respiração, porque segundo ele, e
ao contrário do que parece natural, expirar bem, “libertando os pulmões da
sujidade”, é infinitamente mais importante do que aspirar.
Isso bastaria como incómodo, mas o bom Adriano
descobriu-se uma veia radical, e à simples menção de aviários, matadouros,
talhos ou peixarias logo desnorteia, encara-nos com o desdém do justo pelos
pecadores, mostra-se ofendido e põe cara de nojo se algum de nós se entusiasma
a falar de caldeiradas ou de como saboreou uma posta mirandesa.
Estávamos, porém, longe de esperar que no sábado o
levassem preso por no supermercado ter partido à mocada a vitrina das carnes, se
bem que isso prenuncie o que há muito tememos: continuando assim acaba no
Rilhafoles.